O secretário-geral do partido libanês Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah articulou uma defesa da unidade territorial em todo o mundo árabe, ao mesmo tempo em que prega o respeito aos direitos humanos de todas as minorias não árabes na região. Em discurso no qual invocou os ideais anti-imperialistas do nacionalismo árabe, Nasrallah deixou claro que a oposição ao recente referendo entre os curdos no norte do Iraque pelos que pregam a unidade árabe é baseada em considerações que visam à sobrevivência política e a rejeitar os etnonacionalismos em todas as suas formas.
Al-Manar, veículo oficial do Hezbollah, traz hoje matéria sobre a fala de Nasrallah (trechos adiante destacados em negrito):
"Depois da derrota do ISIL, a região está hoje diante de um perigoso esquema de divisão" – disse Sayyed Nasrallah, chamando atenção para as evidências de que esse esquema aparece bem claro na secessão da região curda no Iraque.
"Dizemos aos nossos amados curdos que a questão não é decidir sobre o destino deles, mas dividir a região por linhas sectárias e étnicas de pertencimento."
O líder da resistência libanesa conclamou o povo da região a resistir contra esse esquema, no qual se ouvem ecos do "Novo Oriente Médio" desejado pelo ex-presidente George W. Bush dos EUA.
"O povo dessa região tem a responsabilidade de resistir contra esse esquema de divisão."
Sua Eminência também conclamou o povo da região a resistir contra qualquer viés étnico.
"Não deve haver vieses étnicos entre árabes, curdos ou iranianos. O problema não está nos curdos. Esse é um problema político."
Sayyed Nasrallah nesse contexto insistiu que todas as guerras na região "operam a favor da entidade sionista e dos EUA, e das empresas norte-americanas fabricantes de armas".
Essa visão que incorpora um nacionalismo árabe necessariamente anti-imperialista, que rejeita todos os etnonacionalismos que favoreçam quaisquer grupos, é consistente com as tradições dos grandes movimentos árabes nacionalistas seculares, dentre os quais o Ba'athismo, o Nasserismo e a Teoria da 3ª Internacional de Gaddafi. Ainda que o Hezbollah seja partido religioso, Nasrallah cuida atentamente de rejeitar as fés baseadas em sectarismos e em etnonacionalismos.
Como escrevi ontem em The Duran,
"O século 20 assistiu ao nascimento do nacionalismo árabe, uma série de movimentos e partidos políticos que visavam a restaurar a independência e a unidade no mundo árabe, depois de séculos de império Otomano e das décadas mais recentes de ocupação e agressão ocidental imperialista.
Os nacionalistas árabes foram antitribalistas, progressistas e anti-sectários. Os nacionalistas árabes visavam a preservar a tradicional harmonia na qual muçulmanos árabes viveram entre eles e também conviveram com seus vizinhos cristãos e judeus. Assim também, os partidos nacionalistas árabes jamais favoreceram qualquer discriminação contra minorias étnicas. Em muitos casos, árabes, gregos, armênios e assírios acolheram muito bem o nacionalismo árabe como força progressista de oposição às realidades do fim do otomanismo cada vez mais acentuadamente etnocêntrico e genocida.
As realidades progressistas do nacionalismo árabe contrastam com a violência da agressão imperialista ocidental, com wahhabismo retrógrado, com o colonialismo sionista e com o etnonacionalismo dos secessionistas curdos de hoje.
Nesse sentido, enquanto os curdos fazem circular uma narrativa na qual se põem como combatentes libertários oprimidos, a realidade é bem diferente. Os curdos iraquianos trabalham para quebrar a unidade do mundo árabe e, ao fazê-lo, ameaçam a sobrevivência do que resta do ideal do árabe nacionalista. Se os curdos conseguirem o que planejam, muitos árabes e outras minorias, como os turcomenos, logo se verão convertidos em refugiados dentro do próprio país, por efeito do etnonacionalismo curdo. Diferente disso, no moderno mundo árabe os curdos não são ameaçados. Pode-se dizer que, na verdade, eles têm aí uma posição privilegiada.
Além do mais, com tantos governos árabes atacados hoje pela fúria neoimperialista do Ocidente, do terrorismo wahhabista da Arábia Saudita e aliados, além da ocupação e da intimidação que vem de Israel, pode-se ver facilmente porque estados árabes, como o Iraque, já se declararam contra a que se meta mais uma faca no coração do mundo árabe".
Nesse sentido, embora a Turquia tenha abordado a questão curda do ponto de vista compreensível da própria segurança nacional, para o mundo árabe mais amplo é questão de se opor a mais divisões em terra árabe, que criarão mais refugiados árabes – o que dará a Israel, inimigo jurado da unidade dos árabes, meio para se implantar geoestrategicamente no coração do mundo árabe. Com isso Israel poderá mais facilmente executar o Plano Yinon com o qual os sionistas visam a anexar ainda mais terra árabe. É tão inaceitável para líderes árabes, quanto, para as lideranças em Ankara e Teerã, um semiestado curdo nas fronteiras de Turquia ou Irã.
Iraque e Síria, ambos os países, trabalharam para tornar a vida dos cidadãos curdos não apenas aceitável, mas próspera. No Iraque, os curdos gozavam de autonomia em doses generosas, mais autônomos que qualquer outro grupo minoritário em qualquer outro país. E a Síria, que já garantes plenos direitos de cidadania aos curdos sírios, prometeu revisar a autonomia curda tão logo o terrorismo takfiri esteja completamente derrotado.
As declarações da Síria, como a palavra do Hezbollah, mostram que o mundo árabe não visa a excluir minorias. É questão de defender terras árabes multiculturais contra um neoimperalismo incapacitante, que visa a tirar direitos dos árabes dentro de terras árabes, 100 anos depois da Declaração de Balfour e 101 anos depois do igualmente infame acordo Sykes-Picot.*****
Um comentário:
Excelente
Postar um comentário