sábado, 31 de março de 2018

EUA aceitarão a derrota ou desafiarão o Urso Russo e o Dragão Chinês? Parte 1: RELATÓRIO DE SITUAÇÃO, Síria

28/3/2018, Elijah Magnier Blog, Damasco, Síria


Parte 2: Rússia & o Oriente Médio (ing. e Blog do Alok)
Parte 3: China & a Visão Global (
ing. e Blog do Alok)


Traduzido Pelo Coletivo Vila Vudu






Depois da libertação de Ghouta leste, com os jihadistas já saídos também de Idlib, ao norte, que estava sob controle da al-Qaeda e dos turcos, a cidade de Duma está agora em negociações com o lado russo, para encontrar uma saída para os militantes do "Exército do Islã" (Jaish al-Islam). Esses militantes combateram contra muitos jihadistas e rebeldes e portanto acabaram sem amigos na arena síria. Mesmo assim essa negociação já não passa hoje de detalhe tático, porque a capital, Damasco, está segura e não mais exposta ao bombardeio diário, como foi o caso antes da libertação de Ghouta.

E agora? Acontece o quê?

O Campo Yarmouk e a cidade de al-Hajar al-Aswad:

A eliminação do grupo "Estado Islâmico" [ing. ISIS] e de remanescentes da al-Qaeda no Campo Yarmouk e na área próxima de al-Hajar al-Aswad, sul de Damasco, também já é apenas detalhe tático, porque esses terroristas estão sem saída, cercados por todos os lados: já não se trata de libertar essa área.


A estepe síria (al-Badiya):

Na estepe síria (al-Badiya), o ISIS ainda ocupa um bolsão, com do qual exército sírio cuidará ao longo desse verão. A área também está totalmente sitiada, o ISIS não tem saída e, sem poder movimentar-se, a capacidade de combate e a moral estão em deterioração acelerada, já chegando ao mínimo.


Idlib e al-Qaeda:

Quanto à cidade de Idlib, onde as várias forças de oposição e jihadistas se multiplicam, elas permanecem numa disputa pelo poder que as come, umas as outras. Não conseguirão administrar a presença de diferentes nacionalidades e credos, que se opõem umas às outras numa só cidade. Assim sendo, o papel da Turquia será crucial para manobrar essa área e impedir a luta interna entre jihadistas, ou mesmo para eliminar os que não queiram submeter-se à política de Ancara.


As forças turcas de ocupação:


A presença dos turcos no noroeste e centro-norte tornou-se inevitável. Espera-se batalha de longo prazo inconsistente muito lenta entre os estados turco e sírio. É natural nas circunstâncias esperar ameaça e contra-ameaça pelos dois governos.


Se Damasco decide optar por guerra contra a Turquia, deve enfrentar essa questão sem contar com seus aliados. Nem Rússia nem Irã querem confronto militar com o exército turco. Síria tem o direito de exigir a restauração de seu território, primeiro por meios diplomáticos e depois por pressão sobre Ancara a ser feita por aliados e amigos. Damasco pode então adotar a força militar, como tentativa final, in extremis, para reaver seu território.


A Rússia pode ser tentada a intervir diplomaticamente e encontrar uma solução entre Damasco e Ancara, se o objetivo de Moscou é que suas forças coexistam com o Exército Sírio, numa Síria pacífica.


Forças norte-americanas dos EUA em Deir-Ezzour e al-Hasaka:

Forças dos EUA permanecem no nordeste (quase 24% do total de territórios sírios sob controle do exército dos EUA), com um grande bolsão do ISIS protegido por Washington no atual momento "por razões e objetivos não declarados". O ISIS está plantado nas fronteiras sírio-iraquianos e conduz "vida normal", como mostram nos anúncios e comentários de propaganda midiática. Além disso, militantes do ISIS executam ataques insurgentes contra os exércitos sírio e iraquiano, com os quais os terroristas têm muito contato, dos dois lados da fronteira.


É muito improvável que as forças dos EUA saiam em breve, a menos que sejam forçadas por ataques dos insurgentes. Quererão evitar grande número de baixas, sempre que o ambiente onde operem torne-se hostil.


Washington já se provou capaz de suportar perdas, no Iraque. Permaneceu lá apesar de ter perdido cerca de 4.500 soldados e oficiais. Como disse o ex-secretário de Estado dos EUA James Baker: "EUA irão à guerra no Oriente Médio se for necessário, para controlar fontes de energia."


Na verdade, na Síria, há fontes de energia (petróleo e gás) sob controle dos EUA, que chegam a cerca de 13% do total do estoque sírio. Além disso, a presença dos EUA facilita para Israel usar um aeroporto estabelecido pelos EUA no nordeste da Síria, como um entroncamento na fronteira sírio-iraquiana.


Os EUA também pode alterar a situação no Iraque, Síria e Turquia para ameaçar todos esses países com um possível "estado curdo", uma vez que os curdos locais hoje protegem os EUA e agem como representantes locais dos EUA. Apesar de tudo, esse é cenário improvável, e espera-se que num certo ponto, os curdos sejam abandonados pelas forças norte-americanas e em algum momento serão entregues à própria sorte.


Contudo, os objetivos dos EUA no território sírio ocupado caminham contra os países fronteiriços e isso pode influenciar a duração da presença dos EUA. Não há dúvida de que a ocupação de territórios sírios pelos EUA perturba muito o eixo anti-norte-americano e é considerado um "espinho venenoso" no Levante.


Por outro lado, a existência do ISIS também se converteu em detalhe, porque o ISIS está sitiado. Pode mover-se livremente no enclave norte-americano, mas cautelosamente em direção aos seus inimigos: os exércitos sírio e iraquiano. Assim sendo, não tem qualquer horizonte estratégico, especialmente desde que a carta islamista não conseguiu derrubar os regimes iraquiano e sírio. O "caos criativo" que os norte-americanos instalaram sob o rótulo de "Novo Oriente Médio" fracassou nesse efeito esperado.


Daraa e Quneitra:

Não significa que a Síria está libertada e que o estado sírio estende o próprio controle sobre todo o território sírio. Mas há uma importante batalha a caminho no sul da Síria nas províncias Daraa e Quneitra.


Por que essa batalha é importante, e mais importante que o bolsão do ISIS em Yarmouk ou na estepe síria, ou, mesmo, até mais importante que a cidade de Idlib, onde a Al-Qaeda e outros grupos reuniram-se ao longo dos últimos dois anos?


O grande dilema permanece nas duas províncias do sul: Daraa e Quneitra. Essas duas províncias estão na fronteira com Israel na zona de desescalada definida entre EUA, Jordânia e os russos.


Mas Damasco insiste em libertar a área, com ou sem aprovação dos russos. O governo sírio gostaria de libertar essa área que está sob controle da al-Qaeda, os rebeldes e também os militantes pró-ISIS do "Jaish Khaled bin Walid".


E claro, se se fala de o exército sírio libertar território controlado pela al-Qaeda, pode-se sempre esperar uma avalanche de acusações pela mídia internacional, que pintará a área como se ali vivessem "exclusivamente mais de meio milhão de civis que defendem a própria casa."


Essa manipulação pela mídia existe e prossegue desde as batalhas de Qusseyr, Qalamoun, Aleppo, Madaya e finalmente na batalha de Ghouta. Washington deu ordens a CIA, Pentágono e Departamento de Estado, para que fossem usadas ferramentas civis com Organizações Não Governamentais, para promover a discussão em torno da preocupação com agressões a direitos humanos só nesses países, que não se deixaram dominar pelos EUA. 


Tem sido assim desde o primeiro dia em que a Rússia pôs pé na Síria em setembro de 2015, quando a situação ainda não se decidira em campo a favor do governo sírio, e é quando começam fortes ataques e críticas agressivas contra a Rússia e contra aliados de Damasco na Síria.


Por essas razões específicas, Daraa deve ser prioridade a ser resolvida pelo governo sírio. É preciso iniciar a negociação para varrer todos os militantes que queiram ser jogados em Idlib – a "lata de lixo", destino de todos os jihadistas que saem de todas as áreas sírias libertadas.


Os EUA perderam a "batalha dos extremistas" – não conseguiram mudar o regime na Síria. Foi o despertar do urso russo, depois de longa hibernação, quando o urso deu-se conta de que os EUA tentavam encurralá-lo. Moscou também confiou no dragão chinês, que partilha com o urso russo o objetivo de eliminar todos os extremistas e terroristas jihadistas que haja na Síria.


Ambas, Rússia e China trabalham agora bem próximas uma da outra, para pôr fim à superpotência unipolar e, assim, dar cabo da dominação dos EUA sobre o mundo. [Continua]

6 comentários:

Rodolfo Machado disse...

Caro Alok, um exercício de imaginação, hoje nem Russia nem EUA querem colocar "botas no chão", pelo menos não em grande e media escala, mas se a China, hipoteticamente, que é o maior exercito do mundo, enviasse tropas para a Síria, para honrar todo o sacrifício russo até agora, esta guerra terminava em uma semana, desculpe, mas vejo a Russa sozinha como única força anti globalização/império no mundo, leio os textos do pepe Escobar sobra a rota da seda e o petroyuan, muito bom, mas qual o verdadeiro grau de comprometimento da China, parece que o foco dela é mais no mar da China, antagonizando seus vizinhos.

Anônimo disse...

Rodolfo, A China está ajudando a Rússia no custo da operação na Síria.È o apoio que a China dá sem meter a cara diretamente na guerra. A China também ajuda o exército Sírio financeiramente.

Creio que mais cedo ou mais tarde, o EXÉRCITO dos EUA vai se retira da Síria, pois não teria uma importância estrategicamente a permanência deles dentro da Síria, além dos custo para manter essas tropas lá.

Anônimo disse...

Ainda acredito que a presença das tropas americanas no cenário sírio, seja muito mais longa do que as melhores estimativas.

Fica cada vez mais claro que, há sim, interesse estratégico de Washington em manter alguma presença militar própria associada a uma força miliciana de "procuração" como os curdos, já que conforme o processo de reordenamento territorial da síria for avançando (com russos e aliados à frente), os EUA não deixarão de influenciar no desenho do novo terreno já que mantêm presença em porção nada desprezível da região.

E assim, conseguirão fazer permanecer sob sua tutela, consideráveis bolsões ricos em recursos energéticos. E uma cabeça-de-ponte logística permanente para qualquer aventura futura no Irã.

Anônimo disse...

Há um problema interno nos EUA e UE: o seu capitalismo sem condição de empregar gente em volume suficiente para aplacar as tensões inevitáveis ao atual estágio de desenvolvimento tecnológico. Exportar tropas é, então, uma "solução", pouco importando o seu custo, sempre menor que o custo político de qualquer conflito interno.
Com essa exportação, claro, também batem no cravo (econômico, da ocupação de posições estratégicas -- energia! -- importantes) e na ferradura, da afirmação botinuda de sua hegemonia. Que, sabemos, está numa crise gravíssima e, muito provavelmente, final.
Para seus mais poderosos antagonistas, uma guerra de desgaste basta. Nem chineses nem russos nem iranianos precisam enviar tropas. É deixar os custos corroerem o que ainda resta de capacidade de endividamento interno via aumento do orçamento militar. A bomba D ("D" de Dívida) explodirá quando os credores resolverem que é chegada a hora da pá de cal. Byebye!
Mas nada é uma linha muito reta nesses mega-assuntos.

Quanto à Otan? Oras, sobre isso é melhor perguntar aos turcos... Nunca um aliado foi mais inimigo do seu amigo que os curdos são agora!

Anônimo disse...

A China não pode e não vai colocar coturnos em solo sírio. Seria loucura!! Primeiro porque os chineses seriam facilmente identificados pelos cidadãos locais e pelos inimigos, tornando-se alvos muito fáceis. Libaneses, Iranianos e Iraquianos conseguem se mesclar facilmente no meio geográfico em questão.

Imagine imagens de chineses mortos em combate rodando o mundo e chegando à população chinesa. Como o Governo chinês vai explicar à população deles a morte de cidadãos num país tão distante? Baseado em quais interesses?

Pois é. Fica para reflexão.

Anônimo disse...

O que a Rússia poderia providenciar é o bombardeio das pistas de avião usadas pelos EUA e israelenses no Nordeste sírio além de colocar uns sistemas S-400 por lá para delimitarem uma no-fly-zone. Se fizerem isso, quebram as pernas dos EUA.

Aliás, não entendo o porquê de já não terem feito isso.