9/3/2018, Pepe Escobar, Counterpunch
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Triunfo do "populismo"; Parlamento sem maioria definida;[1] Itália "ingovernável"; fim de Berlusconi; último capítulo na saga europeia do "fim dos partidos socialistas". As recentes eleições na Itália foram uma montanha russa de emoções desenfreadas. Mesmo assim, o núcleo político mais duro lá está, inescapável: só uma coalizão pode aspirar à maioria absoluta, uma – improvável – aliança entre o Movimento 5 Estrelas populista e a Liga de extrema direita, comandada por Matteo Salvini.
A possibilidade dessa aliança permanecerá balançando no ar durante os próximos – muitos – dias; na projeção feita por JP Morgan e distribuída por Bloomberg. "A Europa", entrementes, também lá estará, pendurada no vaivém, dado que a Itália é a terceira maior economia na Eurozona.
A disputa na Itália foi negócio super personalizado, centrado em quatro astros: o ex-primeiro-ministro Matteo Renzi – o Tony Blair italiano –, do Partito Democratico, PD, de centro-esquerda; Forza Italia, de Silvio "bunga bunga" Berlusconi, de direita; o líder populista do Movimento 5 estrelas Luigi di Maio; e Matteo Salvini, da Liga, de extrema direita.
Quanto a Sergio Mattarella, presidente da República Italiana, terá de arranjar nada menos que uma varinha de condão, para conseguir montar um governo.
"Itália para os italianos"
Com cerca de 32% dos votos, o Movimento populista Movimento 5 Estrelas é hoje o principal partido de uma Itália muito dividida. 5 Estrelas venceu por larga margem no sul; a Liga venceu por larga margem no norte. Venceu o 'partido' da RTP, "Rejeição da Política Tradicional". Quanto ao PD, foi derrotado até na Emilia-Romagna tradicionalmente de esquerda.
No programa, 5 Estrelas promete baixar impostos – os quais, na Itália, tendem girar num dos círculos mais infernais de um inferno dantesco; fixar um salário mínimo universal; aumentar as aposentadorias; revisar as condições de, como dizem os grandes investidores, "empregar e pôr na rua" [orig. ing. hire 'n fire]; investir em novas tecnologias; pôr fim às limitações contra a finança [orig. ing. cut off red tape for business]; e, na questão crucial da imigração, o Movimento 5 Estrelas vem com mais tratados bilaterais para aumentar a repatriação de imigrantes.
Ao contrário do que sugere a histeria alarmista, a Itália não está exatamente naufragando. Os fundamentos permanecem de fato sólidos. O PIB aumentou 1,5% em 2017 – duas vezes o crescimento que Roma previra. Claro, é muito menos que os 2,5% da média europeia – mas mesmo assim é o melhor resultado da Itália em 10 anos, quando a nação esteve afundada numa horrível recessão. A produção industrial cresceu 3%, as exportações, 7% – o que levou a um superávit na balança comercial de 48 bilhões de euros.
Mesmo assim, a coalizão de centro-esquerda, no poder desde 2013, acabou esfacelada. O PD dificilmente se recuperará do baque. Renzi, clone de Blair, secretário do partido, pode também dizer goodbye, porque o estigma "perdedor" não desgrudará dele.
Na verdade, essa eleição pode vir a representar o fim de um ciclo histórico de partidos socialistas – só no nome – no poder. Perderam e foram descartados pelo simples fato de que, no processo, todos se converteram ao neoliberalismo mais linha-dura. O PD, muito provavelmente, se converterá numa espécie de minoria radical-chic de oposição, veículo para setores da classe média 'educada' que só faz discursar incansavelmente sobre "valores humanitários". Com absoluta certeza isso não é partido de massas.
Todos os olhos estão focados, querendo ver para que lado se curvará o líder do Movimento 5 Estrelas, Luigi di Maio – sucessor do fundador Beppe Grillo –, para formar sua aliança política.
5 Estrelas pode estar entrando em nova fase, mais moderada. De fato, nem tem muita escolha, porque, se não o fizer, a narrativa do movimento, de "mudança na qual se pode acreditar," simplesmente se perderá no vazio (por mais que o movimento continue a dizer que nada jamais mudará se os mesmos partidos corruptos permanecerem no poder).
5 Estrelas pode estar tendo uma chance histórica para realmente governar. Embora ainda haja furiosa luta interna entre os ortodoxos e os "governistas", não parece provável que entreguem o presente que receberam das urnas, em troca da 'missão' de oposição.
Quanto a Salvini, milanês, 45 anos, foi recompensado por uma manobra política de mestre. Salvini apagou a palavra "Norte" do nome do partido e livrou-se dos 'verdes' que representavam a rica – em larga medida mítica – Padania, em benefício de um azul nacionalista/populista. E apostou em bater forte contra a imigração – e nesse processo superou de longe seu aliado de direita, o Forza Italia de Berlusconi.
Salvini foi elogiado por Marine le Pen e inteiramente apoiado por Steve Bannon. Conquistou grandes áreas do sul da Itália, prometendo impostos limitados a 15% e proteção ao azeite de oliva italiano, contra a concorrência dos produtores do norte da África. Suas camisetas com dísticos de "Itália para os italianos", frases bombásticas contra "imigrantes clandestinos", traficantes nigerianos de drogas, o euro, o Islã e os relacionamento homossexuais tornaram-se furiosamente populares.
Fim do bunga-bunga?
Assim voltamos à questão do destino de Silvio "Il Cavaliere" Berlusconi, figura solitária nessa sua sétima campanha eleitoral, o que absolutamente não ajuda para o velho script histórico carregado de glamour. Soa repetitivo como CD arranhado. Perdeu a pegada. Foi agressivamente criticado até pelos próprios aliados – todos muito mais jovens. E aconteceu o pior – do ponto de vista dele: a Liga cresceu, mas nem assim conseguiu o suficiente para empurrar a aliança para uma maioria confortável.
Silvio sempre pode ainda aparecer com uma jogada de último minuto – uma aliança com Renzi. Muito pouco, tarde demais.
Essa eleição mostrou, com imagens fortes, a fúria e a angústia de milhões de italianos ameaçados pela desindustrialização e pelo subemprego – todos vítimas da "disciplina do euro", que se traduz como "austeridade". A economia italiana permanece escandalosos 6% menor do que foi em 2008, quando foi ferida pela crise.
Quem mais perdeu, por grande margem, foi Bruxelas. Aqueles eurocratas medíocres jamais se autoindagaram sobre as raízes da angústia profunda em que os italianos foram lançados, nem sobre os incontáveis problemas que viciam a velha divisão entre o norte industrial e o sul agrário. Desemprego em alta e crescimento em baixa podem aumentar ainda mais os déficits no orçamento. A saída suposta fácil é cortar serviços públicos de ajuda social aos cidadãos, como a União Europeia impõe. Mas a resposta verdadeira seria combater a corrupção de colarinho-branco, o cassino da bankerada e os acordos entre máfias.
No pé em que está, a União Europeia perdeu tudo que algum dia soube sobre os laços imensuravelmente complexos com a civilização que produziu o Melhor do Ocidente [orig. ing. Best of the West] – do império romano à Renascença.
Mas é hora de Circus Maximus. Ainda que Salvini insista em que não haverá coalizão e que o centro-direita governará sozinho, pode até acontecer de a Itália acordar um dia desses, e descobrir-se num cenário bem semelhante ao de [Viktor] Orbán, da Hungria ["democracia não liberal" (NTs)] ou deFrau Merkel, da Alemanha.[2]
O verdadeiro Golpe à Italiana seria a constituição de uma coalizão de conveniência, contra a União Europeia, entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga. Mas, como diria Cícero, já aconteceram coisas as mais estranhas na mágica península.*****
* Orig. The Italian Job, é título de um filme, 1966. O título acima é o que o filme recebeu no Brasil; em Portugal, foi Um golpe em Itália [NTs].
[1] Orig. Brit. Hang Parliament
[2] Deve-se lembrar que "liberal" (ing.), é palavra 'lida' como "esquerda", nos EUA. Observada de fora dos EUA, a palavra designa alguém como a Killary: gente pró-bancos e, portanto, contra qualquer limitação no campo econômico que vise a proteger interesses dos mais pobres e a reduzir as desigualdades, mas gente que fala como se manter todas as desigualdades dentro das sociedades mais desiguais significasse "defender a democracia" e "os valores do Ocidente". Nos EUA (provavelmente também no Brasil), praticamente todos esses são sionistas.
Isso tudo posto, vejam o que diz um "liberal" [pró-bankerada e pró-extrema direita sionista nos EUA, que sempre foi pró-Killary e hoje continua pró-guerra, anti-Trump e anti-Putin], falando contra os que eles chamam de "democratas iliberal (ing.)", quer dizer, democratas (pq eleitos), mas mesmo assim ditos inimigos da 'boa democracia', pq não são suficientemente abertos à ação da bankerada:
"Quase sempre prometem que seus seguidores enriquecerão. Querem reduzir impostos e ao mesmo tempo melhorar o Estado de Bem-estar. Quase sempre fracassam nos dois 'planos'. Mas nem por isso tornam-se mais moderados quando chegam ao poder. [O primeiro-ministro] Viktor Orban na Hungria, [o presidente] Recep Erdogan na Turquia (...) por exemplo, frequentemente governaram no mínimo com políticas [econômicas] tão fechadas [significa "tão anti-desigualdade" (NTs)] como prometeram nas campanhas, mas mesmo assim permanecem populares [por esse raciocínio, só se explicaria que esses governos fossem populares se abrissem, escancarassem todas as portas à invasão por capitais exteriores]– em parte porque incitam o ódio às minorias étnicas e religiosas e forçam a escalada nas tensões externas [cutucada contra Putin] (...)" (Council of Foreign Relations, dos Rockfellers, onde Bolsonaro discursou (?!) há alguns dias.
Perdoem a nota longa e enrolada, mas achamos que, sem alguma explicação, não compreendíamos o que Pepe Escobar diz, com "Itália pode acordar e descobrir q virou ou uma Hungria de Orbán (mais fechada contra invasão de empresas estrangeiras) ou uma Alemanha de Merkel (ainda pouco fechada contra Putin, na avaliação do AIPAC e dos Rockfellers sionistas do Council of Foreign Relations onde Bolsonaro discursou semana passada). A nota é uma tentativa para explicar-compreender. Não garantimos nada. Todas as correções e comentários são bem-vindos [NTs].
Um comentário:
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