31/8/2017, Neil Clark, RT
© Omar Sobhani / Reuters |
A única surpresa quanto à recente reviravolta nas falas de Donald Trump sobre o Afeganistão é que tantos pareçam tão surpresos.
Eleito para o Salão Oval como crítico severo do envolvimento dos EUA em caríssimos conflitos no Oriente Médio, por uma população cansada de guerras, "O Donald" acabou por se revelar precisamente tão presidente pró-guerras quanto os que vieram antes dele. Ordenou ataque com 59 mísseis Tomahawk contra um campo de pouso do governo sírio e lançou a 'Bomba Mãe de Todas as Bombas' sobre o Afeganistão. Isso, além de ameaçar Coreia do Norte e Venezuela e escalar o envolvimento dos EUA contra um Iêmen devastado pelo cólera.
Let’s get out of Afghanistan. Our troops are being killed by the Afghanis we train and we waste billions there. Nonsense! Rebuild the USA.— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) January 11, 2013
Vamos cair fora do Afeganistão. Nossos soldados estão sendo mortos por afegãos que nós treinamos, e desperdiçamos bilhões lá. Nonsense! Reconstruir os EUA. 3:55 PM - Jan 11, 2013
Os milhões de norte-americanos que votaram em Trump, na esperança de que seria o presidente que traria os soldados de volta para casa, foram cruelmente enganados e com certeza sentiram-se traídos. Mas não têm motivos para muita surpresa, porque a história dos EUA exibe padrão bem claro.
A triste, inescapável verdade é que não importa quem seja eleito presidente e o que tenha dito durante a campanha eleitoral; as políticas para as questões que fazem diferença permanecem inalteradas mesmo depois da posse. O que os últimos oito meses provaram a quem ainda tivesse qualquer dúvida é que os EUA não são 'democracia' que mude de curso conforme a vontade do povo, mas regime emparedado, governado pelo Partido da Guerra Sem-fim/Wall Street/CIA, que nunca perde o poder, não importa em quem o povo vote.
Ainda que o candidato 'errado' acabe eleito, seja como for, como aconteceu no caso de Trump no outono passado, o Partido da Guerra Sem-fim/Wall Street/CIA, trabalhando em conjunto com seus aliados próximos implantados na mídia-empresa norte-americana, ainda conta com muitas ferramentas para assegurar que não ocorra qualquer distanciamento das políticas recessivas que enriquecem as elites, mas põem o resto das populações em situação sempre muito pior que antes.
Somos encorajados a ver Trump como o grande problema (como se bastasse afastá-lo, e tudo estaria bem novamente!), mas de fato O Donald é apenas o mais recente presidente dos EUA que 'volta à mediocridade' tão logo ponha os pés no cargo. Tendemos a esquecer que em 2000 um certo George W. Bush foi saudado como 'O presidente que não se intrometerá', depois de anos de intervencionismo clintoniano. Aconteceu o quê? Dábliu intrometeu-se mais – e ainda mais desastrosamente – que Bill Clinton.
Em 2008, Obama era o presidente que romperia com os neoconservadores depois da era Bush. Ele 'Pararia a Guerra' e daria 'um reset' nas relações com a Rússia. Até lhe deram um Prêmio Nobel da Paz. Adivinham o que aconteceu? Seguiu exatamente as mesmas políticas de 'mudança de regime' e intervencionismo.
Há 25 anos, muitos progressistas acreditaram na eleição do governador do Arkansas, Bill Clinton, o garoto do 'lado errado' dos trilhos, que daria fim aos excessos movidos a petróleo dos anos Reagan/Bush I.
Mas Bill só fez desregular o que faltava, e os super ricos ficaram ainda mais ricos. Enquanto fazia em casa o serviço que interessava a Wall Street, Clinton deu jeito de também fazer o mesmo serviço no exterior, tomando por alvo a Iugoslávia, com sua economia socialmente mantida, até destruir o país com sua campanha 'humanitária' de bombardeio incansável. Praticamente o mesmo que Obama faria, com seus aliados da OTAN, contra a Líbia, exatos 12 anos depois.
O que realmente chama a atenção quanto à política dos EUA nas décadas recentes é a imperturbável continuidade. Persistem sempre as guerras contra estados independentes ricos em recursos naturais estrategicamente localizados em partes importantes do mundo, não importa quem esteja na Casa Branca. O 1% continua a ficar cada vez mais rico, e os pobres, mais pobres, tenhamos na Casa Branca um bicho-papão Republicano ou um sorridente 'progressista' Democrata. Cada aspirante a presidente promete agir contra a desigualdade e melhorar a vida da classe média, e todos fracassam.
Social Security is too expensive. We have hundreds of billions to topple governments, bomb Syria, + send weapons to the Saudis though.— Lee Camp [Redacted] (@LeeCamp) August 30, 2017
Seguridade Social é cara demais. Mas temos centenas de bilhões para derrubar governos, bombardear a Síria & mandar armas para os sauditas. 11:17 AM - Aug 30, 2017
Pois apesar de tudo isso, as pessoas ainda falam de 'governo dos EUA' ou agem como obcecadas com o indivíduo que está na presidência, como se pudessem mudar alguma coisa. Ao entrarmos no jogo 'Democratas são melhores que Republicanos/Republicanos são melhores que Democratas' só ajudamos a manter em cena a velha farsa. Vale também para os que abraçam a hipótese do 'Ah, se fulano ou beltrano tivesse sido indicado para concorrer à eleição'.
Alguém acredita que um presidente Gore teria sabido resistir ao movimento d'O Regime rumo à guerra contra o Iraque, depois do 11/9? Ou que um presidente Dole teria feito mais e melhor pelos norte-americanos comuns, que Bill Clinton?
Os últimos oito meses têm-nos permitido valioso insight de como opera o regime norte-americano.
Trump sofreu oposição do Partido da Guerra Sem Fim/Wall St/CIA não por preocupações com racismos ou sexismos (isso é o que querem nos fazer crer), mas por causa das críticas que fez à política externa intervencionista e por causa de seu desejo manifesto de promover uma reaproximação EUA-Rússia. O Regime precisa promover sempre o mito de que a Rússia seria 'uma ameaça', para continuar a vender a produção recente de hardware militar aos estados europeus – e para garantir à OTAN alguma razão para continuar a existir.
Além do mais, o Partido da Guerra Sem Fim/Wall St/CIA está ansioso por castigar a Rússia que bloqueou seus planos para mudar o regime na Síria e por se intrometer no caminhos do Partido da Guerra Sem Fim/Wall St/CIA e seus planos de hegemonia global total.
Criou-se uma onda de difamação completamente isenta de qualquer fato ou prova, um 'Russiagate' de boatos orientada para pôr abaixo a eleição de Trump. Mas então Trump foi eleito, contra a candidata preferida d'O Regime, a conhecida paladina de Wall Street e belicista Hillary Clinton, e a campanha de difamação passou a operar em tempo integral.
O objetivo sempre foi ameaçar o novo presidente com um impeachment, a menos que entrasse na linha em matéria de política exterior.
Sinal revelador é que, tão logo bombardeou forças do governo sírio em abril, Trump começou a receber elogios doestablishment.
If Pres. Trump takes appropriate action against Assad this #NeverTrumper will of course support him. He's the president, not merely "Trump."— Bill Kristol (@BillKristol) April 6, 2017
Se o pres. Trump tomar as medidas certas contra Assad, esse praticante de #TrumpNunca com certeza o apoiará. É o presidente, não um zero a mais, mero "Trump" (ing. "trunfo") 5:53 PM - Apr 6, 2017
O Donald com certeza logo viu que se tratava de fazer exatamente desse modo, se quisesse aliviar a pressão sobre si; que teria de bombardear mais e ameaçar mais partidos. Outros antes dele chegaram à mesma conclusão.
A mídia-empresa comercial norte-americana desempenhou papel absolutamente crucial para ajudar O Regime a manter-se nas rédeas do poder.
'Especialistas' de think-tanks patrocinados pelo complexo militar-industrial neoconservador passaram a controlar todos os debates de televisão, e vozes antiguerra foram deliberadamente excluídas. Intelectuais midiáticos pró-guerra aterrorizaram os leitores com histórias da 'ameaça' que seria, contra a segurança nacional, o mais recente inimigo oficial. Em 2002/3 foram as inexistentes Armas de Destruição em Massa de Saddam Hussein; em anos mais recentes, é a 'ameaça' russa. Observe-se que esses intelectuais midiáticos, mesmo quando seus artigos são desmascarados como totalmente sem qualquer conteúdo confiável, nem por isso perdem suas colunas 'jornalísticas'.
Os que protestam contra esses colunistas são acusados de não compreender o núcleo duro daqueles 'argumentos' ditos 'jornalísticos', mas inventados: disseminar notícias erradas e repercutir notícias fake deliberadamente falsificadas para promover interesses do Partido da Guerra Sem Fim/Wall St/CIA é hoje a parte principal do trabalho daqueles 'especialistas'.
War is a big business. To paraphrase George Orwell's 1984 quote..the war is not meant to be won, it's meant to be continuous. (War is Peace)— Los (@w2raw) June 17, 2017
Guerra é um grande negócio. Parafraseando George Orwell de 1984, a guerra não existe para ser vencida, existe para ser continuada (War is Peace) 3:14 AM - Jun 17, 2017
Quaisquer figuras públicas que ameacem O Regime, seja a esquerda anti-imperialista ou a direita isolacionista/libertarista, estão sujeitas a campanhas incansáveis de difamação, que quase sempre levam a opinião pública a rotulá-los como 'teóricos da conspiração', 'negador' de um ou outro valor pressuposto importantíssimo e/ou 'agente' do 'inimigo oficial'. A ironia é que os autores da difamação e das calúnias são os tais 'agentes', eles mesmos, praticamente sempre – se se observa a história passada.
O jornalista Carl Bernstein, ganhador do Prêmio Pulitzer, revelou em 1977 que mais de 400 jornalistas norte-americanos haviam "secretamente executado tarefas atribuídas a eles pela CIA". "Dentro da CIA, os agentes-jornalistas eram considerados da elite, consequência da experiência que jornalistas partilhavam com altos funcionários da Agência. Muitos frequentaram as mesmas escolas que seus chefetes na CIA, movimentavam-se nos mesmos círculos, partilhavam os mesmos valores anticomunistas e liberais à moda do dia, e faziam parte da mesma confraria "dos rapazes" que constituíra uma espécie de elite do establishment na mídia, na polícia e nas universidades dos EUA do pós-guerra sobre os quais Bernstein escreveu.
Se foi assim na velha Guerra Fria – é inconcebível – acho que concordam comigo – que a CIA (e agências aliadas de inteligência) não tenham jornalistas 'na gaveta', trabalhando para elas também hoje, na nova Guerra Fria.
Tudo isso considerado, O Regime deve observar com grande satisfação os oito primeiros meses de 2017. Um presidente que poderia ter sido problema foi neutralizado. O golpe de misericórdia foi os representantes do Partido da Guerra no Congresso dos EUA reunidos para impor novas sanções, ainda mais duras contra Rússia (e Irã) – e cortando o poder do presidente para levantar as sanções.
Se Trump se recusasse a assinar, estaria 'provando' que, sim, realmente seria 'agente russo' e teria sofrido impeachment. Se se curvasse, era ponto do game, do set, da partida e do campeonato para O Regime.
Trump não se curvou apenas no caso da Rússia: também aceitou expurgo McCarthysta em sua equipe de auxiliares e conselheiros na Casa Branca que rejeitaram ou opuseram-se à posição hostil do Partido da Guerra diante de Moscou. Um a um todos foram substituídos por gente que O Regime considera palatável.
É uma tentação – considerando-se hoje o modo como Trump foi encabrestado – dizer que "Se Bernie tivesse sido eleito..., mas seria cair na arapuca de imaginar que políticos individuais façam qualquer diferença contra a máquina assestada contra eles. O que contudo não significa que democratas genuínos devam desistir de desafiar o status quo.
A majority of us think Wall St has too much influence. But as long as we focus on Trump the individual, Wall St continues to rob us blind.— Lee Camp [Redacted] (@LeeCamp) August 29, 2017
Muitos nos EUA acham que Wall St tenha excessiva influência. Mas se continuarmos a só criticar Trump, o indivíduo, Wall St continuará a roubar o quanto queira, os norte-americanos. 3:12 PM - Aug 29, 2017
Em vez de nos focar obcecadamente em Trump, temos de dirigir nossa atenção para o ponto onde realmente se concentra o poder nos EUA. Hoje, os norte-americanos derrubam estátuas de figuras históricas, o que agrada muitíssimo ao Partido da Guerra Sem Fim/Wall St/CIA.
O único tipo de protesto que realmente o encheria de preocupação seriam marchas pelas ruas, exigindo que o presidente cumpra o que prometeu antes de ser eleito, sobre a política externa dos EUA. E convocações para que as massas boicotem todo o sistema político como é hoje. Isso sim, enfiaria um tigre entre os patos que se escondem, porque mostraria a'O Regime e seus agentes que eles estão sitiados.
Mas hoje os 'progressistas' fazem exatamente o que os patos escondidos querem que façam: regurgitam a pauta de calúnias sobre Trump (que seria 'instrumento' de Moscou) e abraçam as mais fúteis guerras culturais 'que unem esquerda e direita' (?!) encorajadas pelo establishment, exatamente porque não ferem a oligarquia governante e não impedirão que venha a próxima guerra 'de verdade' contra a próxima estátua, na próxima esquina.
Tudo é feito para impedir que os EUA conheçam e pensem sobre o fato terrível de que as políticas norte-americanas são sempre as mesmas, não importa quem esteja na Casa Branca. O Partido da Guerra Sem Fim/Wall St/CIA produziu toda a engenharia das operações ilegais para 'mudança de regime' em todo o mundo. Mas, para o bem do mundo e a maioria dos norte-americanos comuns, o regime que mais urgentemente precisa ser mudado está ali mesmo, nos EUA.*****
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Um comentário:
Excelente.
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