quinta-feira, 6 de abril de 2017

The Saker: Governo Trump entra em surto de loucura neocon

05/04/2017, The Saker, The Vineyard of the Saker











Rapaz! Aconteceu. E nem demorou muito. Como escrevi em fevereiro, os Neocons e o Estado Profundo nos EUA neutralizaram Trump completamente. Leiam o que dizem essas duas manchetes de RT (e leiam os artigos [ing.]):



Sinceramente, tenho vontade de dizer "CQD – Nada mais a declarar" e parar de escrever aqui mesmo. Mas não, não vou parar – a coisa é grave demais.



  • As forças sírias usaram armas químicas.
  • Num local cheio de crianças.
  • E muitos fotógrafos e cinegrafistas com câmeras para filmar tudo.

Até... que ponto confiam na nossa estupidez?

Mas, sim, claro! O problema não é "nós". O problema é Trump. E Trump, infelizmente, está demonstrando que não passa do macarrão cozido demais que sempre foi, ou, digamos, quase desde o primeiro dia e, depois, sem parar um instante: flácido, confuso, sem espinha dorsal. E ah, sim, já parece perfeito idiota, sim, com o tal dito "plano" para derrotar o Daech (adiante, voltarei a isso).


Todos nós estamos carecas de saber que os anglo-sionistas são gente boa, amante da paz, modestos, recatados, do lar, gente finíssima. Por isso precisamente sempre nos referimos a eles como o "Eixo da Gentileza". A única maneira de realmente obrigá-los a deixar o recato do lar e usar "o melhor exército do mundo" lá deles é mostrar na televisão uma pilha de crianças mortas. Aconteceu no Kuwait, na Bósnia, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e, agora, na Síria. Ah! E também mulheres estupradas por motivos políticos (como na Bósnia, na Líbia – breve acontecerá na Síria, suponho). Sorte que a mais recente atrocidade "do regime sírio" aconteceu de dia, com luz ótima para fotos e filmagens e envolveu muitas criancinhas em horrível agonia!

Agora... os norte-americanos já poderão destruir a cidade, para salvá-la!.

Só que não. 

Circularam muito artigos de especulação sobre um "plano de Trump" para derrotar ISIS/Daech. Nem preciso me dar o trabalho de listá-los aqui. Em bom inglês o tal plano é, como posso dizer?, não muito complexo:


  • Aumentar o número de soldados já ativos na Síria.
  • Dar aos curdos a região autônoma que querem, como prêmio por se entregarem como bucha de canhão ao Tio Sam.
  • Liberar Raqqa, como sinal tangível de sucesso.

De fato, nada há de novo nisso aí. É uma versão requentada do mesmo plano que Obama tinha (todos os grandes cérebros têm ideias semelhantes; e parece que os cérebros de rato, também).

Todos já viram qual o problema desse plano?

Permitam-me ajudá-los. Problema #1 – não há Resolução do Conselho de Segurança da ONU que sustente esse 'plano'. O governo sírio, não apoiará (e não pediu ajuda). Mas quem se importa, não é? Já sabemos o que Nikki Haley (é a neo-harpia que substituiu Samantha Powers na ONU) pensa sobre a coisa: mais uma vez os EUA arrogantemente violarão a lei internacional sob o pretexto de "estar obrigado a agir". Bem-vindos todos de volta à Bósnia e Croácia! 1994 está de volta! Todos vivemos outra vez em tempos de "RdP – Responsabilidade de Proteger" [a presidenta Dilma do Brasil, que lembrou na ONU da indispensável e muito mais importante "Responsabilidade ao Proteger",[1] também já foi derrubada por golpe (NTs)]. Lei Internacional, RIP. Mas tudo aí é 'problema menor'. O verdadeiro problema é simples:

– Além dos próprios sírios, russos, iranianos e turcos são categoricamente contrários a tal plano. E esses quatro países são, simplesmente, a força absolutamente prevalecente na Síria, e todos eles *já têm* coturnos em solo (e no ar, com sistemas de defesa aérea já instalados) na Síria. Para a Turquia, especialmente, tal plano configura um casus belli – como os turcos já disseram incontáveis vezes. Nunca fui grande fã nem da Turquia nem de Erdogan (por mais que goste muito do povo turco), mas tenho de admitir que, se Trump for adiante com esse plano de doido, não lhe restará outra escolha que não seja guerra, ou guerra civil. Mais provavelmente, um combo das duas.

E há também os curdos. Na verdade, em muitos sentidos lamento por eles e muito os admiro. Mas os curdos precisam dar-se conta dos perigos enormes a que se expõem, se aceitarem o plano dos EUA. Primeiro, significa que serão a primeira linha de bucha de canhão a ser jogada contra o Daech, uma das forças de infantaria mais bem treinada e de maior experiência na região. Mas, ainda pior que isso, os curdos estariam cometendo o mesmo erro histórico que cometeram os albaneses do Kosovo que associaram 100% do próprio futuro ao Camp Bondsteel e serão imediatamente reinvadidos pela Sérvia, no instante em que a OTAN ou os EUA saírem (e sairão, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente).

Há uma razão pela qual os EUA sempre apoiam minorias em todos os cantos do mundo: porque, ao aceitar e confiar nesse 'apoio', aquelas minorias sempre se tornam completamente dependentes dos EUA. E isso, por sua vez, significa que os EUA podem usar essas minorias como bem entendam 'por que' se elas 'não se comportarem'.... E esse 'se não se comportarem' sempre acontece, inevitavelmente, quando os EUA se retiram, ou quando os EUA resolverem que 'é hora'.

Minha avaliação é que seria total loucura para os curdos cometerem o mesmo erro. Sim, claro, querem ser autônomos e/ou querem ter o próprio país. OK. Mas os curdos precisam dar-se conta de que a única via possível para alcançarem esses seus objetivos é em negociação com os países vizinhos, não com alguma cavalgadura que se apresente como 'representante' dos EUA, que esquecerá que há curdos no planeta no instante em que conseguir convencê-los a comprar "o próprio país" num planeta distante. É importante que os curdos considerem a tradição que os EUA jamais deixaram de seguir nessas 'terras longínquas': no instante em que as coisas ficam feias, os norte-americanos 'declaram vitória' e fogem.

Isso significa também que os curdos talvez tenham de aceitar menos do que desejam. Política é a arte do possível. Mas se tiverem de escolher entre alguma autonomia limitada viável, e independência total, que virá acompanhada de guerra contra Turquia, Irã, Iraque e Síria, nesse caso entendo que a primeira possibilidade é o melhor resultado possível. A menos que os curdos decidam tentar a "opção kosovar".

O Irã é a principal potência militar em campo. E o Hezbollah. Admito que os sírios estão lutando. Algumas de suas melhores unidades são realmente muito boas. Quanto aos céus sírios – pertencem aos russos.

Até agora os EUA não reaqueceram o conceito de "zona aérea de exclusão", mas podem tentar, dado que todo o plano deles é perfeitamente imbecil. Além do mais, absolutamente não vejo generais norte-americanos mandando forças para a Síria sem cobertura aérea (caso algum dos leitores não saibam, o soldado dos EUA não tem ideia do que seja guerra sem cobertura aérea. Não sabe guerrear e não guerreará. A conversa ali é "me dê cobertura aérea, ou não conte comigo"). Contudo, para que os EUA possam garantir cobertura aérea para seus coturnos em solo na Síria, terão de se entender com os russos e com os sírios – algo semelhante ao que os israelenses parece que já fizeram –, ou a Força Aérea e a Marinha dos EUA estarão expostas a risco imenso. A verdade é que também por essa via sempre se volta à necessidade de os EUA negociarem com os russos e, com a cooperação dos russos, também com os sírios.

De fato, aposto que os EUA estão fazendo precisamente isso, nesse instante: estão silenciosamente negociando com os russos. Problema: os neoconservadores odeiam a Rússia e tudo que seja russo. E temem Putin como o diabo teme a cruz. Assim sendo, como o Departamento de Estado negocia com os russos e, ao mesmo tempo com o Congresso, a mídia-empresa nos EUA e a CIA, todos esses empenhados na mais doentia campanha de propaganda de ódio contra a Rússia?

Essa é a charada que Trump enfrenta: ele precisa desesperadamente que os verdadeiros inimigos do terrorismo do Daech – Rússia, Irã e Síria – concordem com o plano dele; mas, ao mesmo tempo, é esperto demais para não se expor, de peito aberto contra a campanha de ódio contra, ora essa... claro que contra Rússia, Irã e Síria nos EUA.

Os neoconservadores, aparentemente apoiados pela CIA e Pentágono, querem jogar sozinhos: simplesmente varrer a Síria do mundo, em tiroteio à moda OK Corral; e parecem não ter qualquer dúvida de que de algum modo 'assustarão' russos, iranianos e sírios a ponto de forçá-los a se submeter. Se é assim, são, simultaneamente, ignorantes e estúpidos. Ou, há possiblidade ainda pior: os neoconservadores *sabem* que esse plano acabará em desastre para os EUA, mas querem que Trump vá à guerra, custe o que custar, porque a derrota destruirá o governo dele. Há algum tipo pervertido de elegância nesse 'projeto'.

Certo é que ninguém jamais verá um neoconservador na linha de frente em combate. Nem eles nem os filhos deles morrem em guerra, façam o que fizerem. Ou, pelo menos, os neoconservadores creem nisso. Essa é uma das principais razões pelas quais os neoconservadores são a principal, maior e mais terrível ameaça que pesa contra os EUA e o povo norte-americano: eles desprezam o povo real que habita nos EUA e nunca hesitaram ou hesitarão em sacrificar norte-americanos pobres, até em grandes números, se preciso (alguém pensou no 11/9?).

Por isso precisamente tantos norte-americanos votaram e elegeram Trump e sua promessa de "drenar o pântano".

Infelizmente porém, o pântano drenou Trump e tudo voltou ao "normal".

Assim sendo, o que acontecerá a seguir? Minha mais fervente esperança: nada. Tenho esperança de que não aconteça coisa alguma, absolutamente nada. Enquanto os norte-americanos só fazem falar e esbravejar, há boa possibilidade de progresso real na Síria (é verdade, sim, que o Daech já está perdendo a guerra!). Espero que os curdos... alguma coisa do tipo "ok, ok, vamos tentar fazer assim...", e parem, antes de a situação ficar realmente crítica. Se os curdos realmente aceitarem combater em nome do Tio Sam, espero que jamais esqueçam que os EUA os abandonarão no instante em que Raqqa estiver libertada. E isso por razão bem simples: criar qualquer tipo de autonomia para os curdos, contra o desejo de Síria, Irã e, mais importante, da Turquia, pode, sim, resultar em Erdogan realmente tirar a Turquia da Aliança e fechar a porta para a OTAN. Se acontecer desse modo, só restará aos turcos alguma espécie de acerto, talvez até aliança ampla, com Rússia e Irã. Os vários cenários de efeito dominó são quase infinitos, e nada é realmente impossível.

No momento, os norte-americanos ainda estão ocupados libertando Mosul. Acho que se permanecerem nisso por tempo suficiente, podem até conseguir, pelo menos por algum tempo. Mas não vejo os EUA controlando aquela cidade por muito tempo. Talvez até construam uma 'embaixada-fortaleza', como em Bagdá ou Cabul, mas não significará que controlam a cidade. Se para libertar Raqqa consumirem tanto tempo quanto para libertar Mosul... a coisa pode demorar muito, muito tempo.

Há possibilidade mais assustadoras: os EUA começam a operar na Síria, metem-se em dificuldades e começa o mesmo ciclo sem fim de escaladas e 'surges' e aumentar as apostas. Mais cedo ou mais tarde esse processo porá os EUA cara a cara à frente dos russos – e a coisa pode desandar gravemente, muito depressa. Pode haver embate direto com o Irã, também de consequências imprevisíveis. Se acontecer assim, morrerão muitos norte-americanos.

Assumindo que ainda haja alguém racional e mentalmente são no governo Trump, com suficiente influência, ainda há tempo para deter toda essa loucura.

Há também possibilidade real de que a luta em curso dentro das elites norte-americanas venham a drenar tal quantidade de energia, que mais ninguém terá tempo ou força para inventar operações de guerra em território distante, tão terrivelmente arriscadas. E se tudo o mais fracassar, talvez ainda alguém consiga dizer a Trump que intervenção militar unilateral na Síria é desvario absoluto, que lhe custará a presidência. Ele talvez compreenda esse argumento.

2018 será terrível. Não vejo possibilidade de mudança real nas políticas dos EUA, e temo que todos tenhamos de aprender a viver com alguma espécie de Obama 2.0, ou outra modalidade de "neoconservadorismo".

Foi ótimo tem podido viver a esperança, por algum tempo. Agora, acabou. Temos de aceitar que nossas esperanças deram em nada, e retomar a luta. 

The Saker

PS: Acabo de ouvir que, como previ, Bannon foi removido do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Vejam vocês mesmos. Agora, o golpe contra Trump está completado. E Bloomberg celebra "Chefes militares do Estado-maior retomam o posto!" Verdade. Não estou brincando! Acabou, pessoal. Os neoconservadores esmagaram Trump totalmente. E dizer que Trump nem tentou – longe disso! – dar algum trabalho a eles. Nem tentou. 

Commentary Mag já está em festa: parece Purim, o segundo do ano!*****




[1] A responsabilidade ao proteger é um conceito de política internacional relacionado à proteção de civis em conflitos armados. O conceito foi usado pela presidenta Dilma Rousseff, em discurso na abertura da 66ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, em setembro de 2011. Na ocasião, afirmou:

          "O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis. 

            Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões. E a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma" (vídeo)[NTs].




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