7/11/2017, Alexander Mercouris, The Duran
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
O expurgo em andamento na Arábia Saudita pela primeira vez levanta uma questão jamais levantada desde o golpe de 1964, no qual o príncipe Faisal bin Abdul-Aziz derrubou o irmão, rei Saud, e tornou-se ele mesmo rei da Arábia Saudita no lugar de Saud: o quão estável é o Reino Saudita?
A resposta curta é que ninguém sabe. Mas a situação hoje parece muito mais séria do que era em 1964.
Quando do golpe de 1964, o rei Saud era visto como governante fraco e extravagante, sem comparação com o irmão Faisal, austero e frugal, e que abertamente declarava o rei corrupto e incompetente. Mais importante, ao lançar seu golpe Faisal contou com o apoio da grande maioria dos príncipes sauditas e do establishment religioso saudita, além de forte apoio das forças armadas e da guarda nacional.
Resultado disso, o golpe foi sem sangue e rápido, com Faisal substituindo Saud sem tropeços, primeiro como regente, depois como rei, e a partir de então como governante vigoroso e efetivo por dez anos, em lugar do irmão deposto. O golpe de 1964 contudo agitou o reino, levando a uma tentativa de golpe contra a Família Real Saudita pelo exército, em 1969, o que levou Faisal a criar o complexo e elaborado aparelho de inteligência e segurança interna que protege até hoje a posição da Família Real Saudita.
O expurgo que o príncipe coroado Muhammad bin Salman desencadeou agora guarda algumas semelhanças com os eventos de 1964, na medida em que um membro da Família Real mais uma vez serve-se do pretexto da corrupção para eliminar rivais na luta pelo trono. Como aconteceu com Faisal em 1964, o príncipe coroado Muhammad bin Salman também está tentando projetar uma imagem de reformador e modernizador, embora, se Faisal projetou imagem de homem prudente e moderado, o príncipe coroado Muhammad bin Salman advoga por um programa de industrialização em ritmo alucinado financiado por gasto massivo.
Mas aí se acabam as semelhanças.
Se o golpe de 1964 visou especificamente um membro da Família Real Saudita – o rei Saud –, o expurgo hoje em curso parece dirigido contra um grupo de príncipes sauditas que o príncipe coroado Muhammad bin Salman obviamente vê como ameaça potencial.
Mais importante, se o golpe de 1964 foi basicamente sem sangue, com o rei Saud derrubado sem esforço e expulso para exílio na Grécia com sua família, as múltiplas prisões de príncipes sauditas hoje sugerem coisa bastante mais violenta.
Já há notícias da morte do príncipe Mansour bin Muqrin – supostamente num acidente de helicóptero – e também da morte do príncipe Abdul-Aziz bin Fahd – supostamente quando tentava escapar antes de ser preso.
A informação sobre essas duas mortes ainda é precária – e no caso do príncipe Abdul-Aziz bin Fahd pode não ser verdadeira –, mas é difícil crer que não estejam conectadas ao expurgo em andamento.
Príncipes sauditas assassinados no curso de disputas pelo poder dentro da Família Real é coisa jamais vista na moderna história dos sauditas. Se o príncipe Mansour bin Muqrin e o príncipe Abdul-Aziz bin Fahd realmente morreram por causa do expurgo, a única explicação razoável é que o príncipe coroado Muhammad bin Salman está enfrentando resistência. Sobretudo, numa sociedade na qual famílias honram e cumprem o dever de vingar parentes assassinados e o processo é levado ainda muito a sério – o rei Fahd foi assassinado em 1975 pelo irmão de um príncipe saudita que havia sido morto por forças de segurança sauditas num ataque contra uma estação de TV contra a qual o príncipe tinha objeções por motivos religiosos –, a morte de príncipes sauditas pode fazer do príncipe coroado Muhammad bin Salman, pelo menos potencialmente, alvo de retaliação.
Uma das razões pelas quais a Família Saudita tem conseguido superar todos os desafios ao seu reinado desde que assumiu o controle em 1932 é que, apesar de querelas ocasionais (das quais o golpe de 1964 foi, de longe, a mais séria) a Família Saudita sempre conseguiu, no fim, permanecer unida.
Os movimentos do príncipe coroado Muhammad bin Salman estão ameaçando essa unidade e, mais importante, num momento em que o reino enfrenta severa crise fiscal – que os planos do príncipe coroado que incluem gastos desatinados só agravarão –, quando está combatendo e sendo derrotado no Iêmen e enfrenta múltiplas ameaças externas, as quais, todas, o próprio reino atraiu sobre si.
Resta saber até que ponto o príncipe coroado Muhammad bin Salman terá sucesso na consolidação do próprio poder, depois do expurgo. Em todos os casos, o grande risco a que ele se expõe é que, ainda que obtenha algum sucesso de curto prazo, terá sido obtido ao preço de abrir a trilha para terrível revide que pode estar a caminho.
Nesse caso, o príncipe coroado Muhammad bin Salman pode não ser o único a ser varrido. Na atual muito volátil situação no Oriente Médio, é fácil ver como os movimentos em curso podem acabar por varrer também toda a monarquia saudita.*****
Um comentário:
https://www.counterpunch.org/2017/11/06/why-wikileaks-was-right-rigging-the-democratic-way/
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