quarta-feira, 6 de março de 2019

Venezuela, 2019 - Juan ‘Qualquer-Um’ Guaidó, volta... E é novamente ignorado

4/3/2019, Moon of Alabama


Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga



Juan Guaidó, o cara que poderia ser outro qualquer, qualquer-um, tanto-faz, que diz ser ‘presidente interino’ da Venezuela, chegou (ontem) de volta a Caracas. Ninguém se deu o trabalho de o prender. Parece que a estratégia do presidente Maduro é simplesmente ignorar o tal Guaidó e esperar que quem do nada saiu, ao nada volte. Enquanto isso, a mídia-empresa norte-americana e o governo Trump fazem o diabo para adiar o evanescimento da criatura.

New York Times noticiou os planos do ‘Qualquer-Um’ Guaidó, de voltar à Venezuela:



O artigo conclui com essa curiosa passagem:


Esses aliados regionais são alguns dos 50 países, dentre os quais os EUA, que reconhecem [o ‘Qualquer-Um’ Guaidó] como presidente, não Maduro, que se autoempossou em janeiro para um segundo mandato, depois de eleições amplamente considerada não democráticas.


Estranho que alguém se ‘autoemposse’ em cargo público. Nem é o que a Constituição da Venezuela prescreve:


Artigo 231: O candidato eleito deve assumir o cargo de Presidente da República no dia dez de janeiro do primeiro ano de seu mandato constitucional, prestando juramento diante da Assembleia Nacional. Se, por qualquer motivo superveniente a pessoa eleita presidente da República não possa prestar o juramento de posse perante a Assembleia Nacional, o eleito deve prestar juramento perante o Supremo Tribunal de Justiça.


Quer dizer... O que realmente aconteceu dia 10 de janeiro na Venezuela? Por sorte, o NYT oferece um link, no trecho acima. O link nos remete a essa matéria, na edição do Times, de 10 de janeiro. Ali se lê:


Quando o presidente Nicolás Maduro da Venezuela prestou juramento na posse para seu segundo mandato na 5ª-feira, perante a Suprema Corte do país (...) 
... 
Compareceram à cerimônia os presidentes de Bolívia, Cuba, El Salvador e Nicarágua, bem como representantes de China, México e Turquia.


Maduro portanto não se “autoempossou”. Tomou posse legalmente ao prestar o juramento prescrito diante da Suprema Corte, o que é perfeitamente legal, nos termos da Constituição. (A Assembleia Nacional está sendo julgada por desrespeito a ordens da Suprema Corte e, portanto, Maduro não poderia ser empossado lá.) O Miami Herald postou um breve vídeo da cena.

Quer dizer: dia 10 de janeiro o NYT noticiou corretamente que Maduro “foi empossado”; agora, inventou que “se autoempossou”. 

O motivo pelo qual o Times inventou essa tal “autoposse” é Juan Guaidó, o fantoche. Ele, sim, se autoempossou ‘presidente interino’, de forma completamente ilegal e inconsistente com o que ordena a Constituição. Como a CNN noticiou na ocasião:


O presidente da Assembleia Nacional Juan Guaidó autoempossou-se Presidente da Venezuela, diante de uma multidão de apoiadores em Caracas.

“Ergam a mão direita. Hoje, dia 23 de janeiro de 2019, na condição de presidente da Assembleia Nacional e invocando os artigos da Constituição – e perante Deus Todo Poderoso” – disse Guaidó, diante de seus apoiadores, todos com a mão erguida. “Juro que aqui assumo formalmente o poder do Gabinete Nacional Executivo como Presidente da Venezuela.”


Entenderam? Para encobrir a ilegalidade da “autoposse” do Qualquer-Um Guaidó, o Times passou a ‘noticiar’ que o presidente Maduro teria feito o mesmo. Parece mínima diferença de palavras, mas faz ver o absoluto desrespeito pela Constituição e pela lei, do qual não se envergonham nem Qualquer-Um Guaidó, nem seus apoiadores. 

Juan Guaidó deixou a Venezuela dia 22 de fevereiro, desobedecendo ordem da Suprema Corte, que o proibira de deixar o país. Por isso havia risco de ser preso ao voltar. Mas se não voltasse, estaria encerrada sua carreira de ‘presidente interino’ “autoempossado”. Nisso concordam, a matéria do NYT e colunas semelhantes em outros veículos:


Se Guaidó voltar à Venezuela só para ser preso, a campanha da oposição – que levou muitos venezuelanos às ruas nas últimas semanas – estará com os dias contados. Mas se não voltar, o movimento também pode dar em nada.


Há uma terceira via pela qual a campanha da oposição também pode dar em nada. Qualquer-Um Guaidó pode ser simplesmente ignorado. “Finja que não viu” [ing. Just don't look (vídeo, ing.)] e os monstros desabam.

Guaidó convocou novas manifestações de apoio:


“Estou voltando para casa,” Guaidó tuitou na manhã de 2ª-feira. Em mensagens recentes aos apoiadores, Guaidó clamou por grandes manifestações que coincidissem com sua chegada, como pressão para forçar Maduro a renunciar. Empresas especializadas montaram um palanca numa praça em Caracas, onde os manifestantes planejam reunir-se e há manifestações planejadas para outras cidades.


A data é péssima para comícios em Caracas. É Carnaval, feriado prolongado na Venezuela, muita gente saiu da cidade. Também não se sabe de onde os apoiadores do sujeito tirarão entusiasmo, depois que a cena da tal ‘ajuda humanitária’ fracassou e depois dessa semana de viagem, durante a qual Qualquer-Um Guaidó falou como perfeito doido:


Pergunta:  Você vê algum modo para se livrar de Maduro?
Guaidó:  Vejo vários modos de nos livrar de Maduro. Está completamente isolado, tanto que o único recurso que lhe resta é continuar a reprimir e usar a força  contra o povo da Venezuela. Usa grupos paramilitares. Não é sequer a Guarda Nacional.
Pergunta: O Exército rachou? Houve 200 deserções entre os militares, mas a maioria dos oficiais não desertaram.
Guaidó: 200 é uma pequena parte. A vasta maioria das forças armadas, 80%, me apoia e rejeita o regime. Só a alta cúpula ainda continua lá. Todos têm medo, por causa das táticas que estão usando.


No fim de semana, John Bolton, Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, outra vez trabalhou duro no esforço para convencer o povo da Venezuela de que os EUA imperiais dão sustentação a qualquer iniciativa de Guaidó:


John Bolton @AmbJohnBolton - 1:59 AM - 4 Mar 2019 O Presidente Interino da Venezuela Juan Guaidó anunciou que planeja retornar à Venezuela. Qualquer tipo de ameaça contra sua segurança nesse retorno, receberá resposta forte e significativa dos EUA e da comunidade internacional.


O mais provável é que Bolton tenha trabalhado para que Guaidó fosse preso ao desembarcar. Se trabalhou, não conseguiu. Mas esses tuítos sempre servem para alguma coisa. Dessa vez mostram que, sim, Guaidó não passa de fantoche dos EUA – o que em nada melhora a vida de Guaidó. Não, pelo menos, na América Latina.

Em entrevista no domingo à CNN Bolton também cuidou ativamente (vídeo, transcrição, ing.) de, na prática, impedir qualquer possível apoio de vizinhos da Venezuela ao esquema comandado pelos EUA, embora diga o contrário:


BOLTON: [..] Acho que desde que vários de meus tuítos também aparecem em espanhol, porque queremos alcançar o público latino-americano em especial, que muita gente, especialmente na esquerda, no hemisfério e em todo o mundo, compreende agora que o experimento fracassado de Hugo Chávez e Nicolas Maduro têm de acabar.
Assim, gostaria de ver a coalizão mais ampla que possamos conseguir para substituir Maduro, para substituir todo aquele regime corrupto. É o que estamos tentando fazer. 
...
TAPPER: Mas não lhe parece que o apoio dos EUA a outros ditadores brutais em todo o mundo, desqualifica o próprio argumento ‘democrático’ dos EUA?
BOLTON: Não, não acho. São coisas separadas. Acho que... É o seguinte: nesse governo não temos medo de usar a expressão “Doutrina Monroe”. Esse país está no nosso hemisfério. Desde o presidente Reagan, todos os presidentes dos EUA tiveram por objetivo manter aqui um hemisfério completamente democrático.
Já mencionei – no final do ano passado – que estamos de olho na troika da tirania, incluindo Cuba, Nicarágua, além de Maduro. Parte do problema na Venezuela é a pesada presença de cubanos, entre 20 e 25 mil oficiais de segurança, segundo relatórios que vieram a público.
É o tipo de coisa que consideramos inaceitável. Por isso estamos seguindo essas políticas hoje.


Há cerca de 20 mil médicos cubanos trabalhando na Venezuela. Não consegui achar um relatório público, que fosse, que falasse de oficiais cubanos de segurança que operassem em Cuba.

Com a referência a Reagan e à Doutrina Monroe já velha de 200 anos, Bolton praticamente garante que nem esquerda nem direita nas Américas jamais apoiarão qualquer das medidas que os EUA venham a tomar. Os povos nas Américas Central e do Sul sabem o que os EUA fizeram por lá ao longo dos séculos e opor-se-ão a qualquer intervenção futura. Quanto mais Bolton repete que os EUA manterão o mesmo comportamento imperial, mais ele impede, na prática, que outros países venham a apoiar o Império.

Bolton também dificulta ainda mais, para Guaidó, conseguir novos apoios. Ken Silverstein, que acaba de retornar da Venezuela, acha que, apesar de muitos apoiadores do chavismo não amarem Maduro, todos, unanimemente, desprezam o tal opositor fake golpista:


Não acho que Maduro seja muito amado, mas sem dúvida ainda é muito mais popular que Juan Guaidó, esse detestado e ridículo cachorrinho de pelúcia do presidente Donald Trump.


Maduro tem condições para dar jeito em tudo que hoje se vê como problema para seu governo. Tudo que Guaidó diz e faz para alcançar a presidência é visivelmente golpista e claramente ilegal. Até agora, ainda não conseguiu obter apoio para nenhum dos passos que deu. O Exército mantém-se firmemente ao lado do governo legal. Não apareceram as ondas humanas que levariam a ‘ajuda humanitária’ até o outro lado da fronteira. A oposição está absolutamente sem saber o que fazer.

Todos os países limítrofes manifestaram-se contra uma intervenção militar. Rússia e China, no Conselho de Segurança, bloquearão qualquer medida mais ensandecida que os EUA tentem. Ao mesmo tempo em que os EUA disparam ondas e mais ondas do cerco econômico contra a Venezuela, outros países acorrem para ajudar. Não há notícia no mundo de governo derrubado só com sanções.

Maduro pode simplesmente deixar que Guaidó, o palhaço, continue a mostrar a cara em Caracas, ou onde bem entenda. Guaidó parece absolutamente incapaz de mostrar resultados. Quanto mais sua campanha tiver de prosseguir, menos apoios terá. Nuns poucos meses, tudo será passado remoto.

O que Bolton fará, quando afinal tiver de reconhecer a verdade?*******

Um comentário:

Anônimo disse...

É realmente interessante como no Brasil a direita de Bolsonaro não deu o apoio que todos esperavam que daria ao tio Sam. Talvez até mesmo os dos States tenham estranhado a postura tomada por lá. Certamente alguns aliados sensatos convenceram o presidente charlatão mongolóide a não arriar de vez as calças para os militares americanos.
Agora, se isto for mesmo verdade, já estariam os olavianos do Norte decepcionados com o Bolsonaro, da mesma forma como alguns veículos de comunicação daquele país?
Maduro não vai cair fácil, bolivarianos não são tupiniquins.