26/2/2019, Tom Luongo, Gold Goats 'n Guns
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga
No fim de semana, 15 minutos antes da abertura dos mercados de futuros, o presidente Trump prorrogou as conversações comerciais entre EUA e China.
Rapidamente Trump converteu-se em “Apaziguador-em-chefe”. Todos do outro lado da mesa de negociações sabem disso. Claro, impôs sanções à Rússia, ao Irã e a outros pequenos atores globais, para mostrar que os EUA são mesmo durões.
Mas e quando a conversa é com qualquer um que fale grosso o suficiente para ferir a economia dos EUA? Aí, Trump sempre baixa a crista.
Índia? Alemanha? México? Canadá?
Na renegociação do Acordo do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio [ing. North American Free Trade Agreement, NAFTA] o que se viu foi vitória mínima, tipo a mínima vitória possível. Na verdade, conseguiu que o México aumentasse um pouco o salário mínimo por lá. Laticínios canadenses? Ora, não me façam rir!
Trata-se exclusivamente de ser reeleito. Não se trata de mudar dinâmica alguma.
Trump só fala grosso com Rússia e Irã, porque nesses casos pode falar grosso, sem risco. Graças a anos de antagonismo, esses países têm pauta comercial de pouca expressão com os EUA. Com a Rússia são os metais estratégicos – titânio, alumínio e urânio. Assim sendo, é fácil sancionar esses países.
Mesmo assim, todos vimos o que aconteceu ano passado, quando Trump sancionou unilateralmente a estatal russa de alumínio, Rusal, que fornece quase 15% de todo o alumínio que o mundo compra.
Os mercados entraram em trajetória balística, e Trump teve de voltar atrás. Claro, o CEO Oleg Deripaska reestruturou os próprios bens para evitar sanções, mas, seja como for, o que, afinal, Trump conseguiu com aquele movimento? Bem pouco.
Aquela operação ficou vista mais como disputa pessoal entre Deripaska e Goldman-Sachs, do que como política e estratégia comercial dos EUA.
Trump sequer cogitou algum dia de sancionar o urânio e o titânio russos, porque seria suicídio.
Hoje, a China controla um superávit de $337 bilhões na balança comercial com os EUA.
Apesar de toda a demagogia, a diferença entre tarifas médias entre EUA e China está abaixo de 2%. Nada que cause o desequilíbrio estrutural que se tem hoje.
Globalmente, as tarifas norte-americanas estão entre as mais baratas (2018) |
O desequilíbrio só tem a ver com as políticas internas nos EUA, que exacerbam a diferença entre os custos da mão de obra aqui e noutros países. Trump enfrentará déficit de $1,2 trilhão em 2019. O banco Federal Reserve administrará outros $600 bilhões em papéis do Tesouro dos EUA de seu balanço.
Como David Stockman destaca em seu livro mais recente Peak Trump, são quase $2 trilhões de dólares em dívida nova que o mercado tem de absorver. E tem de absorvê-los sem aumentar as taxas de juros, ou o orçamento de Trump dispara ainda mais incontrolável.
Esse dinheiro é real e compete por bens e serviços, exatamente como qualquer outro dinheiro.
Mais dinheiro, disputando o mesmo número de bens, ‘igual’ a preços em alta.
E dado o clima político aqui nos EUA, muito mais fácil culpar Canadá, México e China, do que olhar para dentro e ver o estrago e a ineficiência criados por governo demais, que vive a inventar ‘reformas’ na economia.
Ok, sim, sim, Trump foi eleito para “Drenar o Pântano”, ok. Mas culpar a China é muito mais fácil.
E, sim, os ‘cortes nos impostos’ de Trump ‘deveriam’ ajudar nessa operação. E, sabe-se lá, quem sabe, provavelmente ajudarão. Mas ninguém pode cortar impostos e aumentar gastos no período final da mais longa expansão da história e esperar que tudo continue como está por mais cinco anos, para só então ver os rendimentos do ‘investimento’ da dívida que você mesmo fez engordar.
Como Stockman destaca, se esse fosse o começo da orgia de imprimir dinheiro do Fed, ou se a China ainda fosse economia de $1 trilhão, talvez, então, esse plano poderia, quem sabe, ter dado certo.
As taxas de juros estão subindo, não interessa o que façam o Fed, o Banco Central Europeu ou Trump. O mundo chegou ao ponto em que mais dívida não gera mais crescimento: só gera mais dívida.
Nessas circunstâncias, Trump faz o que todos os presidentes sempre fazem: culpa qualquer um, exceto os EUA.
Trump teme mortalmente duas coisas:
1. Mercado de ações em queda; e
2. Dólar em alta.
Mas se quiser ‘vencer’ a guerra comercial com a China, tem de aceitar as duas coisas. É o preço a pagar. Impor tarifa de 25% sobre os bens chineses, mandará o mercado global para o esgoto. Como já expliquei no primeiro artigo para Money and Markets, eis o que acontecerá se Trump ‘vencer’:
Se esse comércio [com a China] parar por causa das tarifas de 25% de Trump, as taxas de juros subirão, porque disparará a demanda por dólares. Com isso, o déficit no orçamento aumenta, os preços dos ativos caem à mesma velocidade do dinheiro e as cadeias de colaterais quebram-se como se fossem feitas de algodão doce.
O dólar subirá por causa da dívida de trilhões denominada em dólares de empresas não bancos. Essa montanha de dívidas é consequência de uma década de taxas zero de juros. Empresas dos mercados emergentes carregaram-se de dívidas em dólares ‘gratuitos’, para usar como combustível no boom global.
Estão agora alavancados até a tampa. E como qualquer um muito fortemente endividado sabe, quanto mais você se afunda em dívidas, mas fácil empurrarem você para a bancarrota. É simples matemática.
E é a matemática das grandes dívidas e dos grandes déficits que, agora, olha Trump diretamente na cara, bem quanto ele tem de brigar com os próprios conselheiros neoconservadores que querem que o presidente mantenha o curso e arroche cada vez mais as engrenagens contra a Rússia.
Gente feito Robert Lightheizer e John Bolton só veem o que queiram ver – os efeitos na economia chinesa. Não vem a volta do chicote no lombo dos mercados, ou simplesmente não dão importância ao chicote porque, claro, somos a ‘nação indispensável’.
Esses homens são o pior que se pode ter em matéria de ideólogos, gente que deseja ver o mundo arder até a medula, para que eles mantenham as próprias garras fincadas no poder.
Tarifas não passam de imposto cobrado da população doméstica. E quem diga coisa diferente é idiota, é político ou ambas as anteriores, feito Trump.
“E a coisa mais fácil para os políticos, não importa o partido, é fazer demagogia em campanha eleitoral. Os da direita ‘exigem’ as tarifas para proteger os trabalhadores. Os da esquerda ‘exigem’ ‘salário decente’ que compense a inevitável inflação doméstica que praticamente sempre crescerá mais depressa que o salário real.
Seja por uma via seja pela outra, o poder de compra da moeda doméstica só cai ao longo do tempo.
Porque tudo o que as tarifas fazem é manter artificialmente altos os custos de insumos de bens de primeira ordem, como aço e itens de consumo, porque os produtores domésticos não recebem sinalização dos preços para inovar e reduzir os custos.”
E aí está a razão fundamental pela qual quem insista que a China seria o lado vulnerável nas conversações é perfeito bufão. Se você está afundado no problema da dívida, é você, claro, que está sem alavancagem.
A dívida da China é privada. A dívida dos EUA é pública. Dívida privada pode ser cancelada. E se a dívida é pública? É impossível cancelá-la – se você quer continuar como ‘a nação indispensável’ no mundo.
O poder dos EUA não vem das bombas nem dos porta-aviões, vem do dólar e do nosso histórico de bons pagadores. Nossa taxa de juros sem riscos é a taxa pela qual funcionam todos os mercados de capital. Até um analfabeto econômico como Trump sabe disso.
Por tudo isso, que ninguém se surpreenda por Trump ter cedido no tal ‘prazo marcado’ de 1º março. Por isso também Lightheizer voltará para casa, depois das conversações, com as mãos vazias.
Não esqueçamos que o apoio que Trump garantiu a essa posição de linha dura contra a China provocou o cavalo-de-pau dos mercados, um dia depois do Natal. E desde então os mercados mantêm-se em fase de aumentos sustentados nas cotações.
Política exterior insana, tarifas ruinosas e escárnio fiscal doméstico é a Trifeta da Desgraça em que se converteu o primeiro mandato de Trump na presidência.
Pelo menos, nas próximas poucas semanas veremos o fim de uma dessas desgraças.
Os mercados prosseguirão na atual trilha de altas cotações, agora que já está claro que Trump não tem qualquer intenção de fazer voar coisa alguma pelos ares – porque agora opera no mais puro modo reeleição-já.
Que ninguém se engane: Trump curvar-se nas conversações comerciais com a China é a melhor coisa que o vejo fazer em meses.
Trump sabe que queimar a casa e as pontes só facilitará o processo de entregar a Casa Branca aos Democratas doidos que se candidatarão em 2020.
Agora, Trump quer um acordo que ele possa apresentar como vitória, aos empresários do Cinturão da Ferrugem que o catapultaram ao poder em 2016, mesmo que o acordo nada altere na vida real. A China terá todo o prazer em lhe oferecer precisamente isso.
E se para isso for preciso ceder algumas pequenas vitórias na venda de soja ou de uns poucos carros, que seja. Não faz qualquer diferença, aliás, dado que a GM está na China há anos e não consegue ganhar tração, porque seus carros não prestam, fenômeno que só faz demonstrar que está correto tudo que acabo de escrever.
Mas não, não pode ser. A culpa tem de ser dos malditos chineses e de seu maldito protecionismo.*******
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