3/11/2017, Andrew Korybko, Oriental Review
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Planejada ou não, uma das consequências mais prováveis e de mais longo alcance do tsunami de noticiário falso [ing. fake news] que ficou conhecido como RussiaGate é que Facebook e outras mídia-empresas gigantes das chamadas 'redes sociais' logo serão submetidas a rígida regulação pelo Estado.
O escândalo artificialmente inflado e comandado nos EUA pelo "estado profundo" que se conhece hoje como RussiaGate alcançou proporções épicas e já resultou no inesperado suicídio do soft power dos EUA, mas essa teoria da conspiração sem fim já pode agora afetar todo o planeta e de outro modo, efeito da "regulação" que Washington pode vir a impor a gigantes das mídia-empresas das chamadas 'redes sociais', como Facebook.
Há muito tempo as mídias 'tradicionais' exigem que o governo dos EUA faça alguma coisa para conter o crescimento astronômico das mídias chamadas "redes sociais", que já desviaram milhões e milhões de usuários, os quais deixam jornais impressos e telas de TV e são redirecionados para as telas desmartphones ou notebooks individuais.
Do ponto de vista das mídias chamadas "redes sociais" e de muitos de seus usuários, porém, esses consumidores não foram "roubados", mas, sim, libertados do status prévio de audiência cativa de técnicas convencionais de influenciar opiniões, e agora podem procurar livremente pelo ciberespaço outras leituras e interpretações dos eventos que não sejam as leituras e interpretações padronizadas das empresas gigantes ditas 'de comunicação' e seus empregados.
A ascensão das mídias chamadas "redes sociais" coincide com a criação dos veículos RT e Sputnik subvencionadas pelo estado russo, cujas matérias e análises em pouco tempo viralizaram para toda a internet, porque satisfaziam o desejo por informação crucial que se generalizou pelo planeta ao longo de anos de informação sempre insatisfatória. A boa acolhida daqueles veículos e a popularidade explosiva geraram públicos realmente impressionantes, no ocidente. Esses usuários partilharam voluntariamente os conteúdos e assim contribuíram para o que Facebook descreve como "crescimento orgânico" – a tendência natural na direção de postados construídos e distribuídos sem venda de espaços publicitários.
Por mais que, sim, sejam considerável desafio contra as narrativas fixadas pelo Establishment em todo o mundo, nem RT nem Sputnik eram vistos como "ameaça" séria pelos EUA e aliados, porque até ali ninguém os acusara de terem provocado mudança relevante efetiva na vida real, fora da própria "matrix" de cliques, likes e compartilhamentos.
Mas tudo isso mudou nas eleições de 2016, porque o monopólio que as mídia-empresas tradicionais sempre tiveram sobre a informação foi exercido de modo tão violento, tão claramente ofensivo e enviesado contra Trump, que incontáveis norte-americanos começaram a pensar coisas que apenas um ano antes seriam impensáveis. E logo depois já vasculhavam veículos de mídia com sede em outros países, para obter informação mais acurada, que lhes desse sensação de ouvir informação mais fidedigna, que os barões das mídia-empresas nos EUA ativamente – e já descaradamente – lhes sonegavam.
Esses movimentos dizem muito sobre o profundo incômodo que já dominava muitos norte-americanos na relação com o próprio governo, mas que alcançou o clímax quando aquela mesma mídia-empresa e seus barões e empregados puseram-se a 'noticiar' matérias que eram visivelmente fraudulentas, sobre Trump – em operação que visava a destruir sua candidatura. Esse esforço tornou-se indiscutivelmente claro quando começaram as comparações com a cobertura florida e realmente hipnótica que os veículos e comentaristas davam a tudo que Clinton dissesse ou fizesse. Como hoje se sabe, os norte-americanos elegeram Trump como ato de rebelião contra o Establishment. O "estado profundo" perdeu sua primeira grande guerra, e lá ficou, coçando a cabeça, sem compreender como aquilo acontecera.
Já discuti a dinâmica doméstica que operou aí, em artigo de novembro de 2016, de logo depois da eleição, intitulado "Dear Foreign Friends, Here’s Why Trump Won (From A Clevelander)", mas a ideia geral é que o movimento dos Democratas, de usar políticas de identidade como armas, saiu-lhes miseravelmente pela culatra, quando os norte-americanos buscaram e encontraram solução radical para reequilibrar o próprio país que o "estado profundo" desestabilizara completamente. Nem assim o Establishment soube reconhecer o óbvio, assumir a perda e organizar-se para outra batalha. O que fez foi insistir mais e mais na narrativa já vista como ridícula, segundo a qual haveria "trolls russos" os quais, se sabe lá como, teriam mudado o resultado da eleição por efeito de suas atividades nas redes; e, como se não bastasse isso, ainda sugeriam fortemente que teria havido colusão entre os presidentes Trump e Putin, para organizar essa conspiração de roteiro de filme.
Essa narrativa é conveniente por várias razões geopolíticas que escapam ao escopo desse artigo, mas no cenário doméstico o benefício esperado, a ser extraído desse roteiro, é que as mídia-empresas dos veículos 'tradicionais' e o Establishment finalmente teriam o pretexto de que precisavam para "regulamentar" as redes da internet.
Obrigar Facebook, YouTube, Twitter e outras empresas a cumprir leis já existentes e que obrigam os veículos a revelar a fonte [pagante] de publicidade e propaganda eleitoral é uma coisa. Mas pressionar essas plataformas para restringir a atividade de veículos de mídia publicamente financiados pelo estado russo, como RT e Sputnik, assim como ordenar especulativamente o "corte não oficial" de empregados e apoiadores, já é entrar firmemente em cenário distópico.
Pois é precisamente o que se vê hoje, na caça às bruxas viabilizada pelos duplos padrões da [lei] Foreign Agent Registration Act, FARA, a qual 'define' como agentes estrangeiros aqueles dois veículos. Resultado disso tudo, parece que os 'bons velhos tempos' de navegar 'livremente' por Facebook, partilhando qualquer conteúdo que se considere interessante estão chegando ao fim, porque Washington começa a "regular" as empresas-mídia das redes, porque com isso estaria "protegendo a democracia".
Claro que a verdadeira razão é que alguns interesses organizados também têm muito a defender, dado que há anos apoiam aliados nos veículos tradicionais, contra os recém-chegados empresários das novas mídias e veículos, para nem falar do imperativo autoevidente da importância de suprimir redes e leituras que não se enquadrem na visão e objetivos mainstream, mediante a Guerra contra a mídia russa na qual os EUA se empenham.
É possível que a tal "regulação" avance até mais do que já se pode ver, porque é alta a probabilidade de que Washington tente classificar plataformas de redes como Facebook como "empresa de mídia", o que as obrigaria imediatamente a se encaixar na legislação existente que seus contrapartes midiáticos 'tradicionais' enfrentam há anos.
Num dado sentido, seria dar "condições iguais" para todos, veículos da mídia tradicional e das novas mídias – , mas o movimento pode também destruir a própria essência da mídia social. Não só isso, mas, se os EUA conseguirem enquadrar Facebook e Google como "monopólios", essas empresas podem ser ainda mais 'reguladas' e, correspondentemente, mais descaracterizadas.
O mais terrivelmente irônico nisso tudo é que a posição internacional do governo dos EUA sempre foi favorável às "liberdades da internet", e sempre, de rotina, os EUA atacaram Rússia, China e Irã, por manterem legislação baseada na segurança nacional com o objetivo de reduzir os riscos de que Revoluções Coloridas ou Guerras Híbridas viessem a se servir das redes para recrutar seguidores ou agentes.
E agora, de repente, "a terra dos livres" aí está, fazendo a mesma coisa que fazem os países tradicionalmente apresentados como "ditaduras". De diferente, que os EUA não têm qualquer razão convincente. No caso dos EUA o ataque às liberdades da Internet baseia-se exclusivamente numa muito alardeada teoria da conspiração em torno de noticiário falsificado, as chamadas fake news.
Como é típico, o Establishment governante e seus apoiadores do "estado profundo" creem autocondescendentemente que suas reais intenções seriam invisíveis ao olho nu, porque tudo se baseia na firme convicção de que o povo é estúpido e politicamente indiferente – mesmo diante da evidência que desmente tudo isso, de que a 'candidata perfeita' daquele mesmo 'estado profundo' foi derrotada por um pangaré azarão como Trump.
A realidade é que muitos norte-americanos, bem como outros em todo o mundo, veem perfeitamente o que é a "regulação" pelo governo dos EUA das empresas das redes de mídia. Que essas empresas estão sendo atacadas por um poder ditatorial que destrói qualquer dúvida que houvesse de que a "terra dos livres" nada tem de liberdade, e que "liberdade de expressão" só é garantida para quem aceite repetir o que diga o Establishment e, se discordar, que discorde só dentro dos limites admitidos de discordância, em "oposição controlada".
O item número 1 do que a "democracia norte-americana" absolutamente não aceita é o livre fluxo de informação e de interpretações. Porque não aceita que se desafie a narrativa que o estado determina como 'a real'. E isso renega o próprio fundamento do que o mundo supôs que fosse a "democracia norte-americana. E essa poderosa revelação demonstra e comprova que as acusações que o governo dos EUA sempre distribuiu prodigamente, de que seus rivais geopolíticos seriam "autoritários", jamais foram qualquer coisa além de projeção psicológica do próprio ser mais profundo.*****
Um comentário:
Excelente
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