quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Moscou firma o pé diante de Washington

15/10/2015, Pepe Escobar, RT



É possível que a história venha a decidir que a "Nova Ordem Mundial" começou dia 28 de setembro, quando o presidente Vladimir Putin da Rússia e o presidente Barack Obama dos EUA estiveram frente a frente durante 90 minutos, na ONU em New York. 



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Independente do que digam os especialistas – encontro "produtivo", segundo a Casa Branca; e "tenso", segundo fonte próxima do Kremlin –, imediatamente os fatos passaram a acumular-se em campo.


Putin, sim, realmente pressionou Obama para que os EUA se unissem à Rússia numa grande coalizão realmente dedicada a acabar com ISIS/ISIL/Daesh. O governo Obama, mais uma vez, recuou. Já detalhei aqui [traduzido no Blog do Alok] o que aconteceu em seguida: evento que sacudiu as bases e mudou completamente o ‘Novo Grande Jogo’ na Eurásia, diretamente do Mar Cáspio, e que apanhou toda aquela sopa de letrinhas que é a inteligência dos EUA – para nem falar do Pentágono – completamente desprevenida.


Assim, estava mandada a primeira mensagem de Putin a Washington, e ao combo Pentágono/OTAN em particular: essas suas ideias delirantes de implantar armas táticas nucleares ou de expandir o escudo de mísseis de defesa até a Europa Oriental ou, mesmo, para o Pacífico-Asiático, são miragem. Nossos mísseis cruzadores são capazes de criar a mais real e efetiva pancadaria; e em breve, como o autor do artigo argumenta aqui [traduzido no Blog do Alok], e se acrescentarão àquele mix mais mísseis hipersônicos de longo alcance e alta precisão.


Velhos hábitos são duros de matar – permanecem em coma eterno. A resposta do Pentágono aos fatos disparados do Mar Cáspio foi entregar mais uma remessa de armas leves, por ar, a "um grupo selecionado de líderes avaliados e suas respectivas unidades" tipo aqueles famosos "rebeldes moderados" sírios inexistentes. Todas aquelas armas serão inevitavelmente imediatamente capturadas por grupo nada selecionado de bandidos salafistas.



Na sequência o governo britânico foi obrigado a desmentir a "notícia" publicada no Sunday Times de Murdoch, de que os "Tornadoes" britânicos na Síria estariam agora armados com mísseis ar-ar para resistir contra potenciais"ataques" aéreos dos russos.


E para completar, os "especialistas militares" suspeitos de sempre que infestam a mídia-empresa nos EUA puseram-se a 'declarar' que o mundo estaria a reles 30 segundos da 3ª Guerra Mundial.



O plano nuclear de Glazyev


Um ainda apoplético Pentágono demorará a absorver os novos fatos militares em solo – e céus – sírios. Tudo isso só fará aprofundar o vasto desespero de que dão mostra os ‘Masters of the Universe’ no eixo Washington/Wall Street – comichando de desejo de quebrar, seja como for, a parceria estratégica China-Rússia. Que banquete, com o Pentágono ainda guerreando a 2ª Guerra Mundial, com armas, navios e porta-aviões monstro plantados feito pata choca, contra a nova fornada de mísseis russos.

Mas há também a segunda – silenciosa – mensagem de Putin, a Washington, que sequer teve de ser entregue em pessoa a Obama. Dado que a inteligência dos EUA acompanha de perto a mídia russa, os EUA logo entenderam.

Trata-se do plano de Sergey Glazyev[1] (assessor da presidência) para o futuro econômico imediato da Rússia. AGazeta publicou (em russo) um resumo do plano. O plano já foi formalmente proposto ao Conselho de Segurança da Federação Russa [Putin foi secretário desse CSFR, há 17 anos, de 1998 a 1999. Em 1998, no Brasil, o ex-FHC e atual NADA estava comprando a própria reeleição. Sic transit gloria mundi (NTs)].

Há pelo menos três pontos absolutamente chaves no plano de Glazyev, que se podem resumir da seguinte maneira:


1. Se continuar a tendência emergente para congelar bens e valores privados de entidades legais e individuais russas, a Rússia deve considerar suspensão total ou parcial do pagamento de serviço de empréstimos e investimentos dos países envolvidos no congelamento.


2. A Rússia tem ativos em moeda estrangeira em países que estão sob jurisdição da OTAN, em um total de $ 1,2 trilhão de dólares, incluindo-se dívidas de curto prazo que totalizam $800 bilhões de dólares. Caso esses ativos sejam congelados, há possibilidade de retaliação, mediante o congelamento dos ativos de países da OTAN na Rússia, em um total de $1,1 trilhão de dólares, incluindo mais de $400 bilhões de dólares em dívidas de longo prazo. Assim, pode-se ver que a ameaça teria efeito praticamente nulo, caso as autoridades monetárias da Rússia colocassem em ação uma massiva retirada, em tempo hábil, dos ativos russos de curto prazo nos Estados Unidos e na União Europeia.


3. Glazyev não se cansa de insistir que o Banco Central Russo continua a servir aos interesses do capital externo – como das potências financeiras em Londres e New York. Argumenta que as altas taxas de juro praticadas pelo BCR levam os oligarcas a tomar empréstimos mais baratos no ocidente, o que torna a economia russa dependente, uma armadilha de dívida que o ocidente usou para lentamente enforcar a Rússia. Na sequência, a manipulação do petróleo e o colapso do rublo aumentaram a pressão, quando o custo do serviço da dívida em rublos e os juros dobraram.





Assim, o que Glazyev propõe, na essência, é que Moscou volte a garantir total controle sobre o seu Banco Central, impedindo que especuladores movimentem seus créditos para finalidades não produtivas; Moscou deve também estabelecer controles sobre a moeda; e deve criar uma organização central de pesquisa tecnológica para substituir o que perdeu da tecnologia ocidental, imitando a metodologia dos EUA, de extrair da pesquisa militar centralizada as tecnologias que possam ser comercializadas para o mercado consumidor.


O fato é que a Rússia perdeu acesso ao crédito ocidental e não pode rolar as próprias dívidas com os credores. Assim, a Rússia terá de pagar o principal e os juros, na data do vencimento das dívidas. É 1 trilhão de dólares, mais os juros. A Rússia também não pode importar coisa alguma do ocidente, sem pagar o dobro do preço. Assim sendo, pode-se dizer que o país já está na mesma posição em que estaria se Moscou optasse pelo calote. A Rússia nada teria a perder a mais, num calote, porque o dano já está feito.


Choque para o sistema 



Essencialmente, mais uma vez, o calote russo de uma dívida de mais de $1 trilhão a ser aplicado contra empresas privadas ocidentais permanece como cenário possível e está sendo discutido no mais alto escalão do governo russo – assumindo-se que Washington venha a perseverar na sua campanha de demonização anti-Rússia.


É claro que o aperto que a Rússia está sofrendo tem menos a ver com sanções do que com o controle que as potências financeiras ocidentais mantêm sobre o Banco Central Russo. O Banco Central Russo, sim, criou uma armadilha de dívida, mantendo altos os juros na Rússia, ao mesmo tempo em que o Ocidente empresta a juros baixos.

Nem é preciso dizer que um calote dos russos, se algum dia acontecer, levará ao colapso todo o sistema financeiro ocidental.

Ninguém deve perder de vista o Grande Quadro. A saga de Síria/Ucrânia/sanções corre paralelamente à integração Rússia-China e de todos os países BRICS, que vai mudando o equilíbrio do poder geopolítico. Para os ‘Masters of the Universe’, é mais que anátema. Entre, por exemplo, as compensações em dinheiro, pelos procuradores de Wall Street, elevando as ações "A" chinesas a alturas histéricas, para imediatamente derrubar todo o mercado de ações, numa manipulação da compensação reversa, como em 1987.

A China está-se mudando para a sua própria Sociedade para Telecomunicações Mundiais Financeiras e Interbancárias (sistema SWIFT – Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication, o sistema mundial de compensações interbancárias), para nem falar de todo o novo conjunto de instituições internacionais controlado pela China e independente de qualquer controle pelos EUA. 

A Rússia, por sua vez, há pouco tempo aprovou nova lei que permite o congelamento de patrimônio de estrangeiros, se patrimônio russo depositado no ocidente for congelado. 

Como Glazyev destacou, os investimentos que o ocidente tem na Rússia são aproximadamente equivalentes aos investimentos que a Rússia tem no ocidente.

Os ‘Masters of the Universe’ podem continuar insistindo em usar armas financeiras de destruição em massa. A Rússia, silenciosamente, e com uns poucos fatos chaves disparados do Mar Cáspio, os está fazendo compreender que está preparada para seja qual for o cenário que consigam inventar.

Mas um final menos apocalíptico há de ser mais saudável. Então, aí vai uma piadinha popular em Moscou atualmente, como contada por William Engdahl. Putin chega de volta ao Kremlin, depois do encontro com Obama em New York. Conta a um assessor que convidou Obama para uma partida de xadrez e explica como as coisas se passaram: "É como jogar com um pombo. Primeiro, ele derruba todas as peças; depois, caga no tabuleiro. E aí sai piando e batendo asas pela sala, como se tivesse ganho." *****







[1] A Vila Vudu, sempre interessada no que tenha a ver com os BRICS [e que venha a Argentina] acompanha o trabalho e o pensamento de Sergei Glazyev há muito tempo. Ver "Aliança anti-dólar; "Entrevista com SG"; "Plutocracia ocidental", dentre outros artigos traduzidos. Ver também, sobre o Plano Gazyev: "A mais nova arma letal da Rússia" (Pepe Escobar, RT traduzido no Blog do Alok) [NTs].

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