A zona aérea de exclusão já existe na Síria. É controlada pela Rússia e Washington não tem como invadi-la ou interferir nela.
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
general americano Ben Hodges: "O presidente russo, Vladimir Putin está tentando destruir a OTAN" |
A OTAN está desesperada. O Pentágono está desesperado. Imaginem acordar um dia em Washington e Bruxelas, só para descobrir que a Rússia tem a capacidade técnica necessária para invadir e desarticular – detectar, rastrear, desabilitar, destruir – todo o equipamento eletrônico da OTAN numa área de 600 km sobre a Síria (e o sul da Turquia).
Imaginem o pesadelo de ter o radar russo Richag-AV invadindo e desarticulando camada após camada e o sonar invadindo e desarticulando todos os sistemas montados em helicópteros e navios, desarticulando tudo que haja por ali, rastreando e localizando toda e qualquer fonte existente de radiação eletromagnética. Não só na Síria, mas também na Ucrânia.
O tenente-general Ben Hodges, comandante das unidades do Exército dos EUA na Europa, foi forçado, mesmo, a descrever as capacidades russas para guerra eletrônica na Ucrânia como "descomunais" [orig. eye-watering]."
Por sua vez, colhida no fogo cruzados como patas chocas ou galinhas sem cabeça, aquele gigantesco porta-aviões ideológico conhecido como USS Think-Tank-e-lândia foi deixado lá, para fazer o que conseguisse das quatro vias que sobraram para que Washington "alcance suas metas" na Síria.
A primeira via é a contenção – exatamente tudo que o governo Obama fez até hoje. A receita foi proposta de cima abaixo pela Brookings Institution: "conter as atividades deles dentro de estados falhados ou quase falhados é a melhor opção para o futuro previsível."
Mas isso, argumenta a Think-Tank-e-lândia, "esmagaria a oposição popular" na Síria. Problema, aí, é que não existe "oposição popular" na Síria; só existe o governo em Damasco ou o poder dos bandidos salafistas de ISIS/ISIL/Daesh.
A segunda via é a favorita dos neoconservadores e neoliberais conservadores dos EUA: armar a já muito armada 'oposição'. Essa 'oposição' vai dos curdos do YPG – que realmente combatem em solo contra ISIS/ISIL/Daesh – à Frente al-Nusra, codinome al-Qaeda na Síria e seus parceiros salafistas. Claro que a Frente Al-Nusra, codinome al-Qaeda na Síria, foi rebatizada na av. Beltway em Washington de "rebeldes moderados". Assim sendo, essa via significa na prática que a Casa de Saud armará a al-Qaeda que lutar sob a proteção aérea dos jatos norte-americanos.
É puro teatro do absurdo à maneira de Ionesco. E acrescente-se o fato de que aqueles pirados apocalípticos que passam por "clérigos" na Arábia Saudita, além da Fraternidade Muçulmana, já declararam Jihad contra a Rússia.
A terceira via possível não vai a lugar algum: Washington alia-se com "Assad tem de sair" e o Irã – para nem falar de Rússia – em combate à vera para acabar com o ISIS/ISIL/Daesh. Obama se autoencurralou há muito tempo, com a conversa de "Assad tem de sair", o que significa que permanece imobilizado até hoje num ippon autoinfligido.
A quarta via é o sonho molhado dos neoconservadores: mudança de regime completada, em teoria, pelo que tenho chamado de Coalizão dos Oportunistas Finórios (COF), como no caso dos sempre abraçados CCG-OTAN, com a Turquia no papel de principal vedete e ataques aéreos norte-americanos atachados, mais todos aquele milhares de "moderados rebeldes" treinados pela CIA que capengariam até Damasco. Como se a campanha russa nem existisse.
De fato, para a mídia-empresa norte-americana, é como se o perfeito e consistente massacre – não alguma 'contenção' – que os russos estão aplicando nos quadros do "Califato" durante as três últimas semanas não estivesse acontecendo. Começou como húbris, virou terrível embaraço e o que agora há é omissão total.
O diktat do governo Obama de "Assad tem de sair" também se metamorfoseou numa versão alucinada de negação sem negativa. É absolutamente óbvio hoje que a campanha aérea russa, muito mais que ISIS/ISIL/Daesh, destruiu todo o jogo imperial por todo o "Siriaque": a mesma velha mistura de mudança de regime, balcanização, criar e conservar estados falhados, "isolar" a Rússia.
Sobretudo, e ao contrário da atual reencenação da mitologia afegã – onde, por falar nisso, os Talibã continuam a vencer a Mais Longa Guerra Norte-americana – a Síria não será algum novo sorvedouro, como foi sorvedouro de soviéticos. Ao contrário: enquanto no Afeganistão nos anos 1980s funcionou a jogada imperial de usar jihadistas salafistas contra governo secular, como também funcionou quando a OTAN converteu a Líbia em estado falhado, hoje Moscou está fazendo a engenharia reversa daquele processo: está esmagando salafistas-jihadistas em solo, associada a governos seculares.
Ou é (bombardeio) do nosso jeito, ou caiam fora
Com o que chegamos ao Iraque.
Semana que vem, o Parlamento do Iraque decidirá se solicita ajuda dos jatos russos na sua luta contra ISIS/ISIL/Daesh. Mowaffak al-Rubaie, ex- conselheiro de segurança nacional do ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki, está convencido de que a solicitação será aprovada – apesar de enfrentar a oposição sunita e de parte dos curdos iraquianos.
Para avaliar o pânico que consome Washington, basta lembrar que o novo comandante do Estado-maior do EUA, general de Marinha Joseph Dunford foi obrigado a voar até Bagdá, para garantir que nada disso aconteça. Nas palavras de Dunford, o Pentágono consumiu-se em "angústia" quando o primeiro-ministro do Iraque Haider al-Abadi referiu-se àquela votação no Parlamento.
A "angústia" deve permanecer. Tudo, aí, tem a ver com esferas de influência imperial. Um resultado "sim" no Parlamento do Iraque significa a Força Aérea Russa trabalhando com dados de inteligência recolhida em solo por milícias xiitas como Badr Corps e Asa'ib Ahl al-Haqq, para destruir posições do falso "califato". Geopoliticamente, um resultado "sim" no Parlamento iraquiano significa humilhação máxima – depois de todos aqueles elaborados planos de multrilhões de dólares para o "Oriente Médio Expandido" que a Operação Choque e Pavor em 2003 deveria ter posto em movimento.
A prescrição da USS Think-Tank-e-lândia para remediar toda a confusão na Síria é promover a OTAN, tipo "enviem toda a ajuda necessária" para "proteger" a Turquia, coitada.
O sultão Erdogan parece estar a um passo de lucrar com um plano de 3 bilhões de euros concebido pela chanceler Merkel para "encorajar" a Turquia a manter em seu território potenciais migrantes sírios condenados a invadir pacificamente a União Europeia. Assim o sultão terá pavimentado o caminho para, afinal, ser "aceito" no longo prazo, como membro da UE.
O Problema é que o sultão Erdogan não só apoia o ISIS/ISIL/Daesh como ferramenta para mudança de regime, mas também já reiniciou sua guerra contra os curdos do [partido] PKK, aliados dos curdos do YPG, os quais, objetivamente, são aliados de Washington.
Nem essa configuração consegue impedir que o USS Think-Tank-e-lândia aconselhe que a OTAN implante uma zona aérea de exclusão ao longo da fronteira turco-síria, a ser apoiada por soldados de EUA, Turquia, Grã-Bretanha e França.
Governo dos EUA em Washington, alô-alô, estamos com um problema mesmo. Essa zona aérea de exclusão já existe. Quem manda ali é a Rússia. E vocês não conseguirão penetrar naquelas redes eletrônicas.
Rápida recapitulação, para encerrar: o Império do Caos destrói o Iraque; cria as condições para a emergência de uma constelação de salafistas jihadistas, da al-Qaeda no Iraque a essa criatura frankenstênica, o ISIS/ISIL/Daesh; não põe a mão no petróleo (lembram-se do "Somos a nova OPEP?" de Wolfowitz); tenta durante quatro anos destruir a Síria, e fracassa; e, no fim, a Rússia reinstala sua própria esfera de influência no Oriente Médio, como a verdadeira potência que combate contra o salafi-jihadismo em todo o "Siriaque".
Se isso é o que se faz passar por planejamento imperial, com certeza o Império do Caos não precisa de inimigos.*****
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