4/5/2017, Ramin Mazaheri,* The Vineyard of the Saker
Diferente da maioria dos países ocidentais, políticos franceses não são dados a ataques pessoais contra adversários. Pode soar surpreendente, mas eles sequer criticam com virulência os programas uns dos outros.
É "deselegante" ou visto como "maus modos". Mas essa talvez seja a razão pela qual os franceses conseguem discutir política durante todo um almoço de quatro horas, num domingo.
Feitas as contas, não passa de nonsense de poseur, que nada tem a ver com a terrível brutalidade e a realidade imediata das decisões e das plataformas políticas.
O New York Times descreveu o debate como "vicious" [violento, mal-intencionado] e pelo menos dessa vez tenho de concordar com o NYT. Supus que o debate francês seria feito... à francesa. Não. Foi debate à maneira da política norte-americana. OK, ok. Não foi assim tão ruim.
Macron chamou Le Pen de "parasita" e Le Pen sugeriu que Macron tem contas secretas em paraísos fiscais, mas ninguém chamou o opositor de "corrupto", ou disse que o outro devia estar na cadeia.
O problema é que Le Pen precisaria de muito mais que isso, para reverter uma diferença de 18% nas pesquisas, quatro dias antes da eleição (é... a situação está realmente muito ruim!).
Le Pen mordeu a isca: deixou ver que não tem estilo suficiente para ser presidenta dos franceses.
Foi fatal. E bastaria vencer nesse quesito: em 2012, François Hollande simplesmente hipnotizou a França e fê-la acreditar que ele sempre fora muitíssimo presidencial, graças ao correto manejo retórico-propagandístico da "anáfora". Basta ler, para compreender. Disse ele:
"Eu, presidente da República, não serei jamais o presidente da maioria, não receberei deputados da maioria no Eliseu. Eu, presidente da República, não chamarei meu primeiro-ministro de 'colaborador'. Eu, presidente da República (...), eu, presidente..."
Repetiu a mesma frase 15 vezes em seguida, durante ininterruptos 3 minutos sem parar.
Foi quando os franceses passaram a repetir com seus botões, sobre "Sr. Normal": "Esse cara, aí... falando, agora que ele disse... é verdade, ele pode mesmo ser presidente." Acordem! Propaganda funciona! Repito: Propaganda funciona.
Naqueles três minutos, Hollande falou mortalmente a sério; Le Pen sempre deu a impressão de jogar para a arquibancada. Repetidamente ela conferia a reação da audiência – só dois apresentadores –, para ver se a última piadinha lhe valera simpatias ou não.
Por exemplo, Le Pen foi excelente, quando disse que concentraria seus cortes de impostos para beneficiar o francês/a francesa médios... para salvá-los dos juros do banco de Macron. O próprio Macron teve de se esforçar para não rir alto.
E a gratificação imediata dessa aprovação bastou para que Le Pen se soltasse completamente... E esquecesse que o que ela dissesse teria consequências gravíssimas para toda a sociedade.
Será Le Pen alguma espécie de comediante, alguma Castro ou outro comediante, travestida como figura política? Por que dar tanta importância ao afago na bochecha, viesse do papai, Jean-Marie, quer dizer Emmanuel? Haverá questões de papai & mamãe nessa eleição, em que Marine, 48 anos, concorre contra Macron, 39 anos, casado com esposa de 64?
Seja como for, ao final do debate Macron com certeza já tinha conquistado mais gente a favor dele, no quesito 'não é adequado fazer piadinhas com o estado desesperador em que está a República Francesa'.
Le Pen é excelente como comediante de stand up, mas simplesmente não conseguiu fazer ver o lado dramático, gravíssimo, vitalmente importante, de suas próprias políticas antiarrocho.
Além de não ter a indispensável gravitas presidencial, também deixou-se ver como racista furiosa. Talvez tenha funcionado para Trump nos EUA, mas a França é diferente dos EUA – e aqui não há nenhuma simpatia histórica pela personalidade do "casca grossa da fronteira".
Trump também foi mais esperto, ao exigir três debates, não um só.
Le Pen sentiu que venceu, mesmo tendo perdido
Pesquisas online feitas logo depois do debate deram vitória a Macron por margem maior que 2:1.
Mas de fato, honestamente, Le Pen provavelmente já via o debate como vitória dela antes até de o debate começar –, porque simplesmente ter chegado até ali já lhe bastaria. A Frente Nacional foi legitimada, e 39% dos votos é mais que o dobro dos 18% que seu pai conseguiu em 2002.
A Frente Nacional conseguirá realmente um pouco mais de poder na França – atualmente a FN tem apenas 0,4% dos cargos eletivos. Digam o que quiserem sobre o poder cultural deles, q é muito maior que isso. Mas fato é que a Frente Nacional absolutamente não é culpada por nenhum dos problemas gerados por maus governos.
A cerca de 20 minutos do final do debate, Le Pen entregou os pontos – pôs-se a fazer piadinhas sem parar, claramente sem levar a sério coisa alguma. O tom mudou, ela parecia admitir que não vencerá, no domingo, 7 de maio. Não conseguiu sequer manter a boca fechada durante a fala de encerramento de Macron, e a impressão final foi definitivamente nada presidencial.
Le Pen realmente tentou mostrar-se séria nos primeiros 30 minutos, mas de um modo que simplesmente não atendia às expectativas dos franceses, e quem vota são eles.
Em que ela errou, ao fazer o que fez? Errou, simplesmente, em trazer à discussão os resultados de Macron no poder. Assim, de modo muito significativo e importante, todo o plano de Le Pen para o debate foi minado desde o primeiro momento, porque, como já escrevi, os franceses não costumam atacar publicamente, usando resultados que alguém tenha obtido ou deixado de obter. Várias vezes Macron a interrompeu, para que parasse de falar do passado e focasse no futuro; e os moderadores deixaram que a coisa tomasse esse rumo.
Fato é também que, com os esforços para interromper a adversária, Macron mostrou-se rude e defensivo, e, pior, ficou exposto a acusações de sexismo latente. – Teria ele falado tanto e tantas vezes tentado interromper a fala de Le Pen, se estivesse debatendo com um homem? Macron absolutamente não se saiu bem na primeira meia hora, quando Le Pen foi mais focada.
Quanto ao conteúdo do debate, já disse e aqui repito: se sua antena, leitor, está sintonizada com ideias anticapitalistas, pró democracia, pró direitos dos trabalhadores –, você certamente dirá que sua candidata preferida, no debate, foi Le Pen.
Le Pen teve o melhor conjunto de fatos positivos, de frases, de acusações, mas não discutirei tudo isso, porque já passa das 3h da madrugada e ainda estou no escritório. Fato é que, quando você só pode assistir a um único debate presidencial, que é marcado para quatro dias antes da votação... todos já sabemos o que cada um diria e disse.
Mais uma vez, o sistema operou para empurrar Macron adiante: Le Pen precisaria de mais tempo para focar seus ataques, e o público precisaria de mais tempo para conseguir realmente avaliar os efeitos da economia que Macron promove, e que ele só revelou sete semanas antes do primeiro turno. Os cidadãos franceses merecem mais que apenas duas semanas, para realmente examinar e avaliar os dois candidatos ao turno final da eleição...
Macron é Hillary 'menos' o terninho & paletozinho
Macron foi várias vezes condescendente, falando como bedel que explica coisas supostas simples ao ignorante.
É chocante ver alguém com menos de 40 anos falar como professor, mas, mais importante que isso, mostra o quanto está entranhada nele a crença, pode-se dizer a fé no tecnocratismo que seria a justificativa para a 'austeridade' [é arrocho] em toda a União Europeia: só um Brahmin iluminado como Macron teria o treinamento necessário para comandar, e a culpa é sua (minha, sua, de quem for, menos dele...) por não termos estudado sânscrito.
Infelizmente para Macron, muitos de nós sabemos que as "ciências sociais" não são ciências; não há tese ou objetivo em qualquer das ciências sociais que não possa ser explicado em termos leigos em menos de três minutos. Quem precisa de mais tempo que isso, está tentando nos enganar.
Macron é mais efetivo quando representa o político 'moderno': repetição infinita, atropelando a paixão, a política e o 'certo', detalhadamente. Matando de tédio o público, ao mesmo tempo em que dá a impressão de que realmente entende do que fala. Hillary foi a rainha desse know-how.
O problema é que essa visada tecnocrática ignora o fato de que é simplesmente impossível separar ideologia/moralidade/filosofia e decisões políticas. Não há um único modo 'certo' de governar uma economia, uma vila ou toda uma política exterior: tudo depende dos objetivos, e objetivos são governados pela ideologia/moralidade/filosofia de cada um, digam o que disserem que dizem aqueles amaldiçoados números e mais números e mais números.
Macron efetivamente atacou Le Pen de ser xenófoba – e contra a verdade não há argumento –, mas sua segunda linha de ataque foi que ela "não tem projeto". Aí, a acusação é absolutamente falsa.
Além de ter projeto, os objetivos de Le Pen são todos muito substanciais, do ponto de vista intelectual e político: França fora da União Europeia (Frexit), mudanças no euro, França fora da OTAN, dentre outros.
O que Macron realmente tentava dizer com todos aqueles ataques é que todos esses itens – que são realmente desejo de uma vastíssima minoria/pequena maioria de franceses – jamais serão admitidos como metas possíveis, pelo establishment.
Por exemplo: para a mídia mainstream, Macron ganhou muitos pontos em seu ataque contra o plano novo-em-folha, de Le Pen, de duas moedas, um euro E um franco – o euro para o comércio internacional, o franco para o comércio doméstico. É aspecto que parecia muito importante para seu novo primeiro-ministro presuntivo Nicolas Dupont-Aignan, que exigiu que fosse incluído no programa, como prêmio por seu apoio.
Nada mais fácil, para Macron, que separar esse ponto, e atacá-lo: há naquele plano, sim, muitos furos e aspectos ainda não esclarecidos.
Mas aí é que está: o que Le Pen oferece é realmente totalmente novo, e isso significa que – claro! – haverá perguntas. Esse é território ainda não mapeado; há desconhecidos; é assustador em alguns aspectos; é revolucionário.
Nada disso torna o projeto de Marine ruim, errado ou o condena ao fracasso.
O que realmente interessa destacar é que a base dos ataques de Macron é reacionária: Não Há Alternativa [TINA, There Is No Alternative] ao status quo. Macron acerta ao exigir que se critique o plano, mas isso não significa que o que ele está oferecendo seja melhor.
Não é melhor, e o povo francês sabe que não é.
Em meu trabalho para Press TV, no início dessa semana tive de entrevistar 10 pessoas colhidas na rua, e fazer-lhes algumas perguntas, e uma delas era "Por que a França está tão dividida sobre a União Europeia?"
Ouvi a mesma resposta repetidas vezes: "A União Europeia não cumpriu o que prometeu." I.e., a vida é pior hoje que antes da UE e do euro. Comprova-se com farta e importante econometria, e é especialmente verdade desde a crise financeira de 2008, que foi manipulada para canibalizar o cidadão médio e seus direitos.
Não surpreende que os organizadores do debate, o estado, tenham empurrado a questão mais importante para a segunda hora do debate: a questão que tem as mais amplas ramificações seja domesticamente seja no plano internacional: o futuro da Europa.
A questão sobre o que fazer da Europa só apareceu depois de 34 minutos de terrorismo (e de islamofobia).
Ugh…Macron
Difícil sair do escritório hoje, sem enfrentar o fato de que há 99% de probabilidade de que Macron seja eleito presidente da França.
Ainda que ele tivesse espuma nos cantos da boca durante metade da noite, como alguns velhos (esperem piadinhas sobre isso), ao defender a globalização, todo o poder para Bruxelas e o capitalismo, e falasse como se não tivesse sido membro do governo anterior e fosse o golden boy do mainstream establishment, ainda assim os franceses o verão como menos extremista que Le Pen.
Contudo, verdade é que, no plano econômico, o extremista é Macron. E, como Le Pen disse, Macron também é o "extremista europeu", na questão da soberania.
Aconteça o que acontecer, os franceses continuarão a repetir e repetir que Le Pen é racista demais.
Ora, ora, consideremos o seguinte: dois dias antes do debate, o grupo de Macron anunciou por Tweeter que a única agência de prevenção e combate à islamofobia "corria perigo" de ser extinta.
Quando o grupo – o Coletivo Contra Islamofobia na França, CCIF – exigiu esclarecimentos, a campanha de Macron não desmentiu. Afinal de contas, eles já haviam atacado o CCIF antes.
Em meu trabalho para a Press TV do Irã, várias vezes conversei com o CCIF ao longo de anos: o que eles fazem é reagir com telefonemas ou ações judiciais, sendo o caso, quando mulheres são espancadas na França por usar o hijab, quando muçulmanos são demitidos injustamente, quando muçulmanos são impedidos de entrar em algum local, quando mesquitas são profanadas. O grupo simplesmente defende os direitos de uma minoria oprimida, porque a justiça francesa insiste em olhar para o lado oposto. Nada do que eles fazem pode ser definido como ação extremista.
E quem atacou e fez ameaças ao CCIF anti-islamofobia foi Macron, não Le Pen.
Infelizmente, assim se demonstra algo que venho dizendo há meses, motivo pelo qual muito me alegra pessoalmente ter declarado apoio a Le Pen, apesar de ser membro sincero da esquerda comunista: todos os partidos políticos franceses são racistas. Ponto. Parágrafo.
Que ninguém suponha que, por votar em Macron, alguém estaria escapando à xenofobia. O ataque contra o CCIF é mais uma prova, agora, dessa triste realidade.
Mas os franceses simplesmente não veem coisa alguma disso em números suficientes para impressioná-los. Grande parte dessa omissão explica-se pela bagagem extremamente pesada da história repugnante da Frente Nacional e da própria Marine L e Pen.
Os franceses tampouco veem que o capitalismo é ainda mais daninho que o racismo; e que o capitalismo engendra o racismo.
A França – terra da liberdade, igualdade e do estado de emergência que já dura 18 meses – foi empurrada tão para a direita, que simplesmente já não cogita de se expor a nenhuma novidade, como já aconteceu com eleitores na Grã-Bretanha e nos EUA. Votarão nesse Hollande Junior" mesmo que Hollande tenha sido o presidente mais impopular da França em todos os tempos.
Claro que não ajuda o fato de Marine Le Pen ser candidata horrível, que escolheu fazer papel de palhaça, em vez de mostrar-se como presidenta da França.
Fosse eu, o que diria? Diria "Eu, presidenta da República... Eu, presidente da República... Eu presidente da República... *****
* Ramin Mazaheri é correspondente-chefe em Paris da rede Press TV iraniana e vive na França desde 2009. Trabalhou em jornais diários nos EUA em reportagens do Irã, Cuba, Egito, Tunísia, Coreia do Sul e vários outros países.
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