26.05.2017,
The Saker - The Vineyard of the Saker
tradução de btpsilveira
Robert Fisk foi preciso: “Trump está prestes a bagunçar tudo no Oriente Médio”. Na sequência de sua decisão monumentalmente estúpida de atacar o exército da Síria com mísseis de cruzeiro, ou Trump ou (devo dizer) as pessoas que tomam as decisões por ele, provavelmente já entenderam que é “fim de jogo” para qualquer política que tenha a ver com os Estados Unidos no Oriente Médio e assim eles fizeram a única coisa que podiam: correr para os braços daqueles que estão felizes com a agressão contra a Síria: os sauditas e os israelenses. Não é preciso dizer que tais “aliados”, que atualmente representam um simulacro de “política externa dos EUA” no Oriente Médio só poderão causar situações que vão do ruim para o péssimo.
De muitas maneiras,
Israel e Arábia Saudita são ímpares: ambos estão entre os principais
financiadores e apoiadores do terrorismo, ambos estão profundamente embebidos
de ideologias que só podem ser classificadas como bárbaras (Wahabismo e
Supremacia Judaica) e ambos estão armados até os dentes. Porém eles têm mais
uma coisa em comum: apesar de, ou talvez por causa de, seus imensos orçamentos
militares, essas nações são na realidade militarmente fracas. Claro, elas têm
montes de equipamento militar sofisticado, e gostam de exibir sua força
surrando alguns “inimigos” indefesos, mas basta deixar a propaganda de lado e
você vai entender que os sauditas sequer conseguem lidar com os Houtis no
Iêmen, enquanto os israelenses foram completamente derrotados pelas forças de
segunda linha do Hezbollah em 2006 (as forças principais do Hezbollah ficaram
concentradas ao longo do Rio Litani e nunca entraram em combate direto): nem
todo o efetivo da Brigada do Golã pode conquistar Bint Jubeil, embora essa
pequena cidade esteja a apenas 3 km da fronteira israelense. É por isso que
tanto sauditas quanto israelenses tentam limitar seus ataques a bombardeios
aéreos: porque no solo eles simplesmente apanham. Outra similaridade entre
eles: os sauditas se tornaram experts em aterrorizar xiitas indefesos (no
Barein ou na própria Arábia Saudita), enquanto os israelenses se tornaram
mestres em aterrorizar civis palestinos.
Agora que Trump está se
juntando oficialmente a essa aliança desagradável, os Estados Unidos poderão
colaborar com a “competência” de um país que sequer foi capaz de tomar Mosul,
principalmente porque suas forças ficam o tempo todo escondidas atrás de curdos
e árabes iraquianos. Pensar que esses três sejam capazes de desafiar e lidar
com iranianos, russos e o Hezbollah seria cômico se não fosse a tragédia do
derramamento de sangue que pode causar.
Infelizmente, vendo o
que os sauditas estão fazendo no Iêmen e o que os israelenses estão fazendo em
Gaza ou no Líbano, da mesma forma que os EUA no Iraque, você imediatamente
perceberá o que a formação dessa aliança nefasta poderá significar para a população
da Síria e do resto da região. A história mostra que um exército pode até não
ter capacidade de lutar uma guerra de verdade, mas sempre terá a capacidade de
matar pessoas. Pense na trágica ocupação do Iraque pelo exército dos EUA. Mesmo
sendo um desastre em termos militares, resultou em quase um milhão e meio de pessoas mortas.
O que se torna cada vez
mais claro é o alvo verdadeiro dessa aliança maligna: o Irã, a única democracia real no Oriente Médio. Pretexto? Que
mais? Armas de destruição em massa, claro: aquelas armas químicas (que não
existem) na Síria e as armas nucleares (que também não existem) dos iranianos.
Nas palavras de Trump:
“nenhuma nação civilizada pode tolerar o
massacre de inocentes com armas químicas” e “os Estados Unidos
estão firmemente comprometidos a impedir o Irã de desenvolver uma arma nuclear
e interromper seu apoio a terroristas e milícias que estão causando tanto
sofrimento e caos através do Oriente Médio”.
Até aqui, nada de novo.
Mas como essa aliança maligna lutará se não tem tropas no terreno? Mais uma
vez, a solução é tão simples quanto velha: usar os loucos takfiri do Estado
Islâmico/Al Qaeda como bucha de canhão para os Estados Unidos, Israel e Arábia
Saudita. Trata-se de uma versão reajustada do plano “brilhante” de Brzezinski
sobre como lutar contra os soviéticos no Afeganistão. Em verdade, de volta para
o futuro. E se por algum milagre os “terroristas do bem” vencerem na Síria,
então soltá-los a seguir no Líbano contra o Hezbollah e contra os xiitas no
Iraque e no Irã. Quem sabe? Talvez, com um pouco de sorte (muita), o império
poderia até ser capaz de refundar o “Emirado Caucasiano” em algum lugar das
fronteiras ao sul da Rússia. Certo?
Errado.
Principalmente porque
as supostas vítimas não estão impressionadas. Veja o que diz sobre a questão o
secretário geral do Hezbollah, Sayed Hassan Nasrallah:
“Os israelenses
estão apostando no seu projeto com o Estado Islâmico e os takfiris na região...
mas em qualquer caso eles sabem, os israelenses e os americanos, e todos
aqueles que usam os takfiris, que este é um projeto sem futuro. Digo a vocês e
reasseguro nesta entrevista: este projeto não tem futuro.”
E com certeza ele tem
razão. O recém reeleito presidente do Irã, Hassan Rouhani disse abertamente que
os norte-americanos estão sendo ingênuos:
O problema é que os
norteamericanos não conhecem nossa região e estão sendo enganados por aqueles
que os aconselham.
É muito claro quem são
tais “conselheiros”: os sauditas e os israelenses. A intenção deles também é
transparente: fazer os norteamericanos ficarem com o trabalho sujo enquanto se
mantém o mais longe possível da sujeira. Você pode dizer que os sauditas e
israelenses estão tentando fazer com os norteamericanos o que estes tentam
fazer com os curdos no Iraque: ser a sua bucha de canhão. A grande diferença é
que os curdos ao menos sabem exatamente para onde estão indo e o que está
acontecendo, enquanto os norteamericanos são mesmo ingênuos.
Claro que nem todos os
norteamericanos. Muitos entendem perfeitamente o que está acontecendo. Um bom
exemplo dessa consciência aguda é o que “b” (na realidade, “b” é alemão
– NT) tinha a dizer no site Moon of Alabama depois de ler a
transcrição da conferência de imprensa do Secretário de Defesa Mattis, do
General Dunford e do Enviado Especial McGurk sobre a campanha para derrotar o
Estado Islâmico:
Minha primeira reação
depois de ler isso foi: “estas pessoas vivem em um mundo diferente. Não tem a
menor ideia do mundo real no terreno. O que pensam as pessoas reais, e com que
se parecem”. Não há nenhum pensamento estratégico visível e foram apresentadas
apenas algumas ideias táticas imperfeitas.
Um prestigiado repórter
britânico, o Secretário Geral do Hezbollah, o Presidente do Irã e um blogueiro
que é considerado um observador astuto da cena mundial, todos concordam numa
coisa: não há uma “política” verdadeira dos Estados Unidos funcionando, o que
se vê é um perigoso exercício de uma suposta estratégia que não pode dar outro
resultado senão o caos e a derrota.
Então por que a
administração Trump segue em frente com essa loucura?
As razões são parecidas
com uma combinação da política interna dos Estados Unidos com um caso em que
“todas as coisas se parecem com pregos se tudo o que você tem é um martelo” (Lei
do Instrumento ou Lei do Martelo – NT). A revolução colorida/golpe de estado
contra Trump desfechada pelos neocons do Estado Profundo antes mesmo que Trump
assumisse a Casa Branca nunca parou realmente e todos os sinais são de que as
forças que querem abater Trump só descansarão quando este sofrer o impeachment
e seja, talvez, removido do poder. Tudo o que Trump pode fazer inicialmente
como resposta a esses ataques foi o sacrifício de seus mais próximos amigos e
aliados (Flynn, Bannon), na vã esperança de que isso poderia apaziguar os
neocons. Então ele começou a endossar impensadamente as “políticas” dos
neocons. Previsivelmente, também não funcionou. Daí chegou a aventar a ideia de
ter Joe Lieberman como diretor do FBI antes de ser tomado de dúvidas e mudar de
posição mais uma vez. Entretanto, enquanto está tentando desesperadamente
apaziguá-los os neocons estão dobrando a aposta, dobrando de novo e dobrando
outra vez. Está cada vez mais claro que Trump já não tem nem os aliados nem a
coragem pessoal necessários para derrotar e drenar o pântano como havia
prometido. Como resultado de todo este panorama, o que estamos vendo parece uma
repetição dos dois últimos anos da administração Obama: uma falta total de
visão ou mesmo de políticas gerais, caos no executivo e uma política externa
caracterizada por uma desordem de múltipla personalidade na qual se vê o
Pentágono, o Departamento de Estado, a CIA e a Casa Branca todos perseguindo
atabalhoadamente seus próprios objetivos, através de políticas desencontradas.
Por sua vez, cada um desses atores está empenhado no que (pensam eles) fazem
melhor: o Pentágono bombardeia, o Departamento de Estado finge negociar, a CIA
se esforça em mais e mais operações encobertas de terroristas “mais ou menos
bons” enquanto a Casa Branca está focada nos esforços de tentar fazer com que o
presidente pareça bem, ou ao menos, controlando alguma coisa.
Verdade seja dita:
Trump nada tem a mostrar até agora:
Rússia: de acordo com os
rumores espalhados pelas corporações dos Estados Unidos, Rex Tillerson
supostamente estaria viajando até Moscou para entregar um ultimato. Graças a
Deus isso não aconteceu. Em vez disso, Tillerson gastou várias horas falando
com Lavrov e depois maus algumas falando com Putin. Mais recentemente, Lavrov
foi recebido por Tillerson nos Estados Unidos e na sequência deste encontro,
ele também se encontrou com Trump. Nada de concreto que resultasse desses
encontros foi anunciado. O que isso significa? Que de nada valeram os
encontros? De modo algum. O que se obteve é que os russos transmitiram
claramente aos norteamericanos duas coisas básicas: primeiro, que não estão
impressionados com os tambores de guerra e segundo, que enquanto os Estados
Unidos estiverem agindo como um elefante enlouquecido em uma loja de louças,
nada há que possa ser discutido. Que se reconheça que Trump aparentemente voltou
atrás e até mesmo tentou fazer algumas declarações conciliatórias.
Desnecessário dizer que a mídia sionista o crucificou por ter sido “muito
amigável” com O Inimigo. Claro que o resultado até agora é bem
melhor que uma guerra contra a Rússia, mas nem chega perto dos avanços que
Trump prometeu (e creio que sinceramente esperava poder fazer) durante a sua
campanha eleitoral.
Coreia do Norte/Coreia
do Sul: aconteceu o que tinha mesmo que acontecer: todos os tambores de guerra,
a reunião de três porta aviões com seus grupos de ataque acabaram se tornando
um enorme fiasco com o qual nem a Coreia do norte nem os chineses ficaram
minimamente impressionados. Quando muito, essa grande exibição de equipamento
do tempo da guerra fria foi corretamente interpretado não como sinal de força e
sim de fraqueza. Trump perdeu um bocado de tempo e dinheiro sem absolutamente
nada para mostrar em troca. A Coreia do Norte testou mais um míssil de alcance
médio ontem. Dizem que com sucesso.
Ucrânia: parece que Trump
simplesmente não se importa com a Ucrânia, e francamente, não dá para culpá-lo.
Nesse instante a situação daquele país é tão ruim que nenhum poder externo tem
forças para influenciar significativamente as coisas por aquelas cercanias. Poderíamos
mesmo admitir que Trump fez o correto, considerando as circunstâncias, ao
entregar as coisas nas mãos de Merkel e da União Europeia na base de “toma que
o filho é teu”: eles que lidem com o problema sangrento que criaram, porque, em
princípio, o problema é mesmo deles. É Carma.
Assim, no geral, Trump
tem exatamente zero para mostrar no campo da política externa. Fez um monte de
declarações tonitruantes que foram seguidas de muitas ameaças, mas no fim do
dia parece que alguém se aproximou e sussurrou: “não podemos fazer nada disso,
senhor presidente” (e graças a Deus por esse herói anônimo!). Uma vez que a
realidade começou a se impor, tornou-se necessário criar ao menos uma ilusão de
política externa, na qual os Estados Unidos ainda são uma suposta superpotência
que supostamente ainda pode determinar o resultado de qualquer conflito.
Levando em consideração que o Império AlgloSionista é, antes de qualquer coisa,
o que Chris Hedges chama de “Império das Ilusões”, só assim pode fazer
sentido que seu presidente esteja focado na criação de espetáculos e
oportunidades para boas fotografias. Infortunadamente, a Casa Branca é tão
ingênua que acaba trocando os pés pelas mãos, mesmo quando em confraternização
com um aliado próximo. Nós fomos testemunhas, durante a recente viagem à Arábia
Saudita, que Melania e Ivanka Trump se recusaram a cobrir suas cabeças em Riad, e no entanto
fizeram exatamente isso quando visitaram o Papa no Vaticano. Como disse um
francês, “foi muito pior que um crime, foi uma besteira” que significa mais que
milhões de palavras sobre o desprezo que sente a elite norteamericana pelo
mundo muçulmano.
Há outros sinais de que
os Estados Unidos estão mesmo raspando o fundo da panela: Rex Tillerson agora
está declarando que “a OTAN deveria se juntar formalmente à coalisão contra o
Estado Islâmico”. Em termos militares, a OTAN é pior que imprestável para os
Estados Unidos: os norteamericanos se saem muito melhor lutando sozinhos que
envolvendo um enorme número de “exércitos de mentirinha” que mal poderão
proteger a si mesmos no caso de se engajarem em uma batalha real. Claro que se
pode, com algum esforço, obter metade de um batalhão decente aqui, até mesmo um
regimento ali, mas no geral, as forças da OTAN são inúteis, especialmente para
operações no solo. Eles, exatamente como os sauditas e os israelenses, preferem
atacar a partir do ar, de preferência com a proteção dos AWACS dos EUA, e nunca
experimentaram o tipo de combate selvagem de infantaria que está acontecendo na
Síria. Com todos os seus problemas e falhas, ao menos os norteamericanos têm
certo número de unidades capazes para combate real, como os Marines e algumas
unidades do exército, as quais são experientes e muito capazes de fazer os
takfiris suarem sangue para merecer o seu dinheiro. Mas os europeus? Esqueça!
É realmente patético
observar os esforços desesperados da administração Trump para criar algum tipo
de coalizão que seja ao menos razoavelmente factível, enquanto tentam com
esforço inaudito evitar a admissão do simples fato de que aqueles que podem
contar com grande número de unidade de combate competentes para lutar contra o
Estado Islâmico são os Iranianos, o Hezbollah e potencialmente, os russos. É
este o motivo pelo qual ao recém eleito presidente iraniano Rouhani declarou recentemente:
“Quem foi que
lutou contra os terroristas? Foram o Irã, a Síria, o Hezbollah e a Rússia. Mas
quem financiou os terroristas? Aqueles que financiaram os terroristas jamais
podem dizer que estão lutando contra eles” e que “Quem
pode dizer que pode restaurar a estabilidade na região sem o Irã? Quem pode
dizer que haverá estabilidade total na região sem o Irã?”
Na realidade, nem mesmo
os turcos e os curdos são realmente capazes de derrotar o Estado Islâmico na
Síria. Mas o pior erro dos generais dos EUA é que eles estão fingindo que uma
grande e experiente infantaria como o Estado Islâmico/Al Qaeda pode ser
derrotada sem uma forte ofensiva terrestre. Não vai acontecer. Desta forma,
Trump pode dançar quanto quiser com os sauditas e ficar um tempão batendo a cabeça
no Muro das Lamentações, que seus esforços para determinar o resultado da
guerra na Síria falharão inevitavelmente: longe de ser uma superpotência, no
Oriente Médio especificamente os Estados Unidos estão se tornando irrelevantes.
Por isso mesmo a Rússia,
o Irã e a Turquia estão neste momento tentando criar um quadro trilateral
“livre dos EUA” no esforço de mudar as condições no terreno. O que os Estados
Unidos ainda são capazes de fazer é sabotar esses esforços e prolongar
desnecessariamente a carnificina na Síria e no Iraque. Patético e profundamente
imoral.
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Quando vi Trump
dançando com seus amiguinhos sauditas imediatamente me lembrei do filme “Dança
com Lobos” e “Titanic”. Impérios sempre terminam em violência e caos, mas Trump
aparentemente decidiu adicionar uma boa dose de ridículo à mistura. A tragédia
está no fato de que nem os Estados Unidos nem o resto do planeta podem se dar
ao luxo desse tipo de ridículo agora, especialmente não o tipo de ridículo que
pode rapidamente se materializar em uma orgia de violência. Com os Estados
Europeus paralisados em um estupor subserviente à gangue dos Rothschild, a
América Latina devastada por crises (a maioria instigada pelos EUA) e o resto
do planeta tentando se manter longe do império cambaleante, o peso das
tentativas de manter esse trem desgovernado na linha recai sobre a Rússia e a
China.
Quanto a Trump, fez um
pequeno discurso aos líderes da OTAN hoje. Falou sobre “as ameaças da
Rússia e sobre as fronteiras leste e sul da OTAN”. Q. E. D.
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