quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Primeiro-ministro Saad Hariri aceita exílio na França, por Robert Fisk

16/11/2017, Robert Fisk, The Independent, Londres


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




Quando o jato de Saad Hariri pousou em Riad na noite de 3 de novembro, a primeira coisa que ele viu foi um grupo de policiais sauditas cercando o avião. Entraram no avião e confiscaram o celular de Saad e dos seus guarda-costas. Foi o que bastou para silenciar o primeiro-ministro do Líbano.


Foi momento dramático, afinado com o drama de novelão que se viu na Arábia Saudita durante a semana passada: 11 príncipes postos em prisão domiciliar – inclusive o imensamente milionário Alwaleed bin Talal – e quatro ministros e zilhões de outros lacaios do governo anterior, para nem falar no confisco e congelamento de mais de 1.700 contas bancárias. A "Noite das Facas Longas" do príncipe coroado Mohamed bin Salman realmente começou à noite, quatro horas depois de Hariri chegar a Riad. Assim sendo, que diabos o príncipe coroado está querendo?



Dito sem meias palavras, está derrubando todos os rivais e – como temem os libaneses – tentando destruir o governo em Beirute, forçar a expulsão do Hezbollah xiita do gabinete governante e reiniciar uma guerra civil no Líbano. Não dará certo, porque os libaneses – embora menos ricos – são muito mais inteligentes que os sauditas. Todos os grupos políticos no país, inclusive o Hezbollah, estão exigindo uma única coisa: Hariri tem de voltar. Quanto à Arábia Saudita, os que disseram que a revolução árabe algum dia chegaria a Riad – não com a ascensão de alguma minoria xiita, mas com guerra dentro da família real sunita wahhabita – assistem aos eventos da semana passada ao mesmo tempo em choque e em pavor.



Mas voltando a Hariri. Na 6ª-feira 3 de novembro, participava de reunião do gabinete em Beirute. Então recebeu um telefonema: tinha de ver o rei Salman da Arábia Saudita. Hariri, que como seu pai Rafiq assassinado tem dupla cidadania saudita e libanesa, partiu imediatamente. Ninguém deixa algum rei esperando, mesmo que tenha conversado com ele apenas uns poucos dias antes, como Hariri. E especialmente quando o reino deve à empresa "Oger" de Hariri a espantosa soma de $9 bilhões, motivo pelo qual a situação é tal que todos falam da "Arábia Saudita na lona (sem vintém)".



Mas eventos mais extraordinários estavam a caminho. De repente, sem mais nem menos, e para total choque dos ministros libaneses, Hariri, lendo texto escrito, anunciou no sábado, pelo canal de televisão Arabia – fiquem livres para adivinhar qual dos reinos do Golfo é dono desse canal –, que renunciava ao cargo de primeiro-ministro do Líbano. Houve ameaças contra sua vida, disse ele – embora os serviços de segurança em Beirute não tivessem notícia de ameaça alguma –, e que o Hezbollah deveria ser desarmado e que em todos os pontos nos quais o Irã interferiu no Oriente Médio fez-se o caos. 



À parte o fato de que ninguém desarmará o Hezbollah sem provocar guerra civil – será que o exército libanês deveria atacar o Hezbollah, sabendo-se que os xiitas são a maior das minorias no país (e muitos deles estão no Exército)? Hariri jamais usara aquelas palavras. Quer dizer: Hariri lia, mas não escrevera aquilo. Como disse essa semana alguém que o conhece bem, "não era ele falando". 



Em outras palavras, os sauditas mandaram o primeiro-ministro do Líbano renunciar e noticiar a renúncia em alto e bom som, falando de Riad.



Devo acrescentar, claro, que a esposa e a família de Hariri estão em Riad. Assim, ainda que ele retorne a Beirute, os demais ficarão em Riad como reféns. Assim, depois de já uma semana dessa espantosa farsa política, já há em Beirute quem fale de pôr o irmão mais velho de Saad Hariri, Bahaa, no gabinete, no lugar do outro. Mas e quanto ao próprio Saad? Alguns conseguiram falar com ele na casa que mantém em Riad, mas Hariri só disse umas poucas palavras. "Diz 'voltarei' ou 'estou bem', e só, só isso, o que é absolutamente estranho vindo dele", diz alguém que deve saber do que fala. E se Hariri realmente voltar? Chegará para contar que foi coagido a renunciar, que foi chantageado? Os sauditas poderiam arriscar-se tanto?



Certo é que Hariri não sabia o que estava para acontecer. Até marcou reuniões em Beirute para a 2ª-feira seguinte – com o FMI, o Banco Mundial e várias discussões sobre melhoria da qualidade da água; não são movimentos de alguém que estivesse planejando renunciar ao posto de primeiro-ministro. Contudo, as palavras que leu – escritas para que ele as lesse – estão perfeitamente alinhadas com os discursos do príncipe coroado Mohamed bin Salman e com o insano presidente dos EUA que fala com igual ira contra o Irã, bem como o secretário norte-americano da Defesa.



Claro que a história real é a que se passa lá, na própria Arábia Saudita, dado que o príncipe coroado rompeu para sempre o grande compromisso que há no reino: entre a família real e o clericato, e entre as tribos. Essa sempre foi a base pétrea sobre a qual ou o país manteve-se de pé, ou desabou. E, agora, Mohamed bin Salman reduziu a farelo aquela base pétrea. Está liquidando os inimigos – desnecessário dizer que o expurgo está sendo feito sob a fantasia de um "plano anticorrupção", instrumento que ditadores árabes [e também ditadores de Curitiba, Brasil, passando por ditadores no STF e no Palácio do Planalto, BSB, Brasil (NTs)] sempre usaram para destruir adversários políticos.



Não se ouvirão protestos de Washington ou Londres, cujo desejo de partilhar o desmonte da Aramco saudita (outro dos projetos do príncipe coroado) fará calar qualquer ideia de protesto ou de controle de danos. E, dada a cobertura de bajulação que os discursos recentes do príncipe coroado receberam no New York Times, desconfio que aquele veterano órgão jornalístico absolutamente não se deixará preocupar muito com o golpe saudita de estado. Porque que é golpe, não há dúvidas: é. 



No início do ano, foi a demissão do ministro do Interior; agora, Mohamed bin Salman livra-se do poder financeiro de seus adversários.



Mas até os homens mais cruéis podem ser simultaneamente humildes. Hariri foi autorizado a ver o rei – motivo original pelo qual ele supôs que estivesse sendo chamado a Riad – e até visitou o príncipe dos Emirados Árabes Unidos essa semana, nação aliada dos sauditas que o impediriam de meter-se num voo para Beirute. Mas por que, diabos, Hariri desejaria ir aos Emirados? Para provar que está livre para viajar, mesmo sem conseguir voltar ao país que ele supostamente governaria?

O Líbano está sempre passando pela maior crise de todos os tempos desde a mais recente maior crise. Mas dessa vez é de verdade.*****

Um comentário:

Anônimo disse...

https://www.counterpunch.org/2017/11/17/a-bizarre-us-pretext-for-military-intrusion-in-south-america/