quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Irã: Khamenei resseta a bússola da política exterior, por M. K. Bhadrakumar

22/7/2018, M. K. Bhadrakumar, Indian Punchline


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu





A fala do Supremo Líder do Irã Aiatolá Ali Khamenei na reunião anual dos mais altos funcionários da diplomacia iraniana e enviados a capitais em todo o mundo sempre é ouvida atentamente, como evento no qual podem ser explicitadas chaves vitalmente importantes para se compreender corretamente a trajetória da diplomacia e da política exterior do país. Claro que o que é dito abertamente é importante, mas muitas vezes há não ditos ainda mais importantes. E, claro, o modo persa de falar, de dizer coisas de modo oblíquo, só aumenta e aprofunda o mito. Seja como for, o discurso de Khamenei em Teerã no sábado será lido e relido em chancelarias pelo mundo, até nas mais distantes uma da outra como Moscou e Washington ou Pequim e Bruxelas (IRNA. Há matéria traduzida sobre essa fala do Aiatolá Khamenei, no Blog do Alok [NTs]).


A fala desse ano reveste-se de especial interesse, com a política do Oriente Médio num ponto de inflexão, e grandes questões de guerra e paz agitando o pensamento – com o Irã dessa vez, claro, no epicentro. As orientações de Khamenei mostram os seguintes elementos chaves:


1.      Os interesses nacionais do Irã devem nortear as políticas externas como princípio fundamental. As ancoragens ideológicas da Revolução Islâmica e os interesses nacionais coincidem e somam-se.


2.     O Irã deve trabalhar ativamente em rede com a comunidade internacional.


3.     Mantêm-se os compromissos assumidos no acordo de 2015; também continuam as negociações com UE+UE3.


4.     Conversações com os EUA são "inúteis", enquanto as intenções dos norte-americanos permanecerem hostis, e suas políticas, inconsistentes. (Mas Khamenei tampouco fechou a porta e jogou fora a chave.)


5.     Que ninguém tenha qualquer dúvida de que o Irã retaliará fortemente contra qualquer tentativa, pelos EUA, de impedir que prossigam as exportações de petróleo do Irã; a resposta virá em ação que bloqueará completamente o fluxo de petróleo da região do Golfo Persa para o mercado mundial.


6.     A presença iraniana na região compõe realidade integral com os interesses de segurança e da influência regional do país.



A fala de Khamenei deixa perfeitamente claro que, no esforço para alcançar interesses nacionais, o Irã terá de navegar caminho próprio por meios próprio e à velocidade que mais lhe convenha, como já acontece ao longo das últimas quatro décadas de história nacional. A diplomacia será flexível, mas orientada por objetivos (“sábia e orientada”).

Khamenei não mencionou o conflito na Síria, mas sugeriu que o Irã manterá sua presença na Síria. O enviado do presidente da Rússia à Síria Alexander Lavrentiev esteve em Teerã no fim de semana para atualizar os iranianos sobre a reunião de cúpula em Helsinki. Mas só foi recebido no nível do vice-secretário do Conselho Nacional de Segurança do Irã, Amir Saeid Iravani (o número 2 abaixo de Ali Shamkhani e também principal especialista em Síria no Irã). Interessante: Iravani criticou o “papel negativo” de Israel na Síria e as tentativas do estado judeu para interferir nas relações Irã-Rússia.

O Irã revelou semana passada que Trump fez oito tentativas, interessado em se reunir com o presidente Hassan Rouhani, mas Teerã rejeitou todas essas iniciativas. A ‘linha vermelha’ para Teerã é os EUA terem abraçado a agenda da ‘mudança de regime’ e renovado seus laços com a organização Mujahadeen-e-Khalq (MEK) (que sempre esteve na lista de grupos terroristas sob vigilância do Departamento de Estado dos EUA). O atual Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA John Bolton e o advogado de Trump, Rudy Guiliani, estiveram na folha de pagamento do MEK.

Claro, o processo está só começando, e o discurso de Khamenei evitou frases muito duras. Não há qualquer dúvida de que Teerã percebeu que duas vezes, no passado recente, a Casa Branca sinalizou que recentemente tem sentido maior moderação nas políticas regionais do Irã. O próprio Trump mencionou essa sensação (duas vezes) durante a conferência de imprensa em Singapura, depois da reunião com Kim Jong Un; e Bolton repetiu o comentário depois de visita que fez a Moscou há duas semanas, na preparação para a reunião de Helsinki.

Assim, não pode ter sido simples coincidência que a Agência de Notícias oficial do Irã (IRNA) tenha divulgado comentário, dia 21 de julho (que apareceu também no Teheran Times) analisando a abordagem flexível de Trump ao tratar da questão nuclear da Coreia do Norte. Ocomentário, intitulado ‘Resiliência dos EUA diante do programa nuclear da Coreia do Norte, analisa que Trump “optou por recuar da posição inicial muito rígida”, logo que compreendeu que táticas de pressão e bullying não funcionariam com Pyongyang.

O comentário conclui que os EUA não podem esperar extrair “resultados construtivos”, se impõem sanções contra a Coreia do Norte “ou qualquer outro país”, e que essa tática de pressão “não ajudará a resolver questões críticas.” O que o comentário não disse, mas parece lá estar implícito, é que Trump é perfeitamente capaz de agir com pragmatismo ao tratar com adversários, em negociações orientadas com vistas a resultados. Curiosamente, o comentário foi publicado no mesmo dia marcado para a reunião em que Khamenei falaria aos principais diplomatas iranianos.*******

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