4/8/2018, Pepe Escobar, Asia Times e The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Os cinco estados que cercam o mar – Rússia, Azerbaijão, Irã, Turcomenistão e Cazaquistão – alcançaram um difícil acordo sobre direitos soberanos e exclusivos, e sobre liberdade de navegação
O longamente esperado acordo sobre o status legal do Mar Cáspio assinado no domingo no porto cazaque de Aktau é momento que define a continuada, massiva deriva rumo à integração da Eurásia.
Até o início do século 19, o corpo de água quintessencialmente eurasiano – um corredor de conectividade entre Ásia e Europa sobre riqueza gigantesca de petróleo e gás – era propriedade exclusiva dos persas. A Rússia Imperial tomou então a margem norte. Depois do racha da URSS, o Cáspio acabou sendo dividido entre cinco estados: Rússia, Irã, Azerbaijão, Turcomenistão e Cazaquistão.
Negociações muito complexas atravessaram quase duas décadas. Seria o Cáspio mar, ou lago? Devia ser dividido entre os cinco estados, em percursos soberanos, ou, melhor, ser desenvolvido como uma espécie de condomínio?
Lenta mas persistentemente, os cinco estados alcançaram um difícil acordo sobre direitos soberanos e exclusivos; sobre liberdade de navegação; "liberdade de acesso para todos os navios que partam do Mar Cáspio para oceanos do mundo, ida e volta" – nas palavras de um diplomata cazaque; instalações de dutos para petróleo e gás; e, crucialmente importante, em nível militar, a certeza de que só as forças armadas dos cinco estados litorâneos devem ser admitidas em águas cáspias.
Não surpreende que o presidente Putin, em Aktau, tenha falado do acordo em termos perfeitamente claros, como acordo "de significado que marca uma época".
Mar ou lago?
Assim sendo, o Cáspio é agora mar, ou lago? É complicado. A convenção assinada em Aktau define-o como mar, mas submetido a "status legal especial".
Significa que o Cáspio é considerado águas abertas, para uso comum – mas o leito do mar e o subsolo são divididos. Ainda work in progress, o diabo lá está, nos detalhes para achar modo de dividir o leito do mar.
Segundo o texto em rascunho publicado há dois meses por Kommersant da Rússia, "a delimitação do leito e dos recursos minerais do Mar Cáspio por setores será feita mediante acordo entre estados vizinhos e fronteiros. considerando-se princípios e normas legais reconhecidos em geral." Stanislav Pritchin, diretor do Centro para Estudos da Ásia Central e do Cáucaso na Academia de Ciências da Rússia, descreveu esse acordo como o melhor possível para o momento.
As fronteiras marítimas de cada um dos cinco estados já estão definidas: 15 milhas náuticas de águas soberanas, mais 10 milhas (16 km) extras para pesca. Fora desses limites, é água aberta.
Em Aktau, o presidente cazaque Nursultan Nazarbayev reconheceu sem meias palavras que foi difícil alcançar mesmo esse consenso apenas básico; e que a questão chave de como partilhar a riqueza em energia que jaz no subsolo permanece ainda por ser resolvida.
O ministro do exterior do Cazaquistão Kairat Abdrakhmanov, citando o texto final do acordo, enfatizou que "a metodologia para estabelecer as linhas básicas de cada estado será determinada em acordo separado entre todas as partes, conforme esse acordo sobre o status legal do Mar Cáspio. Essa é a frase chave, especialmente importante para nossos parceiros iranianos."
A referência ao Irã é importante, porque, nos termos do acordo, Teerã ficou com a menor fatia do leito do Cáspio. Diplomatas confirmaram para Asia Times que até o último momento a equipe do presidente Rouhani continuava parcialmente insatisfeita com a redação final.
Esse sentimento transpareceu no comentário feito por Rouhani, de que a convenção foi "documento importantíssimo", mesmo sem dar conta de todo um dossiê extremamente complexo.
Rouhani enfatizou, sim, o quanto "gratificante" era o fato de seus parceiros cáspios privilegiarem "o multilateralismo e oporem-se a ações unilaterais em desenvolvimento em alguns países". Foi referência direta não só aos parceiros cáspios que apoiam o acordo nuclear para o Irã (ing. JCPOA), mas também referência velada à ameaça feita pelo presidente Trump de que "quem negociar com o Irã não negociará com os EUA."
Rouhani e Nazarbayev tiveram de fato reunião à parte, dedicada a ampliar a cooperação econômica, incluindo o movimento dos dois países para usar as respectivas moedas nacionais no comércio, afastando-se do EUA-dólar.
Essas águas estão proibidas para a OTAN
A cooperação econômica Irã-Cazaquistão deve acompanhar os parâmetros de Irã-Rússia. Putin e Rouhani, que mantém relação pessoal próxima e calorosa, passaram bom tempo em Aktau discutindo questões que vão bem além do Cáspio, como Síria, investimento da Gazprom em campos iranianos de gás, e como lidar com a ofensiva de sanções de Washington.
Os dois foram claros e firmes nos elogios à determinação crucial, chave, do acordo: a OTAN não circulará pelo Cáspio. Nas palavras de Rouhani, "o Mar Cáspio pertence só aos estados cáspios." Putin, por sua vez, confirmou os planos da Rússia para construir um novo porto de águas profundas no Cáspio, em 2025.
No turbulento reino geoeconômico que há anos defini como Oleogasodutostão [ing. "Pipelineistan"], o acordo permitirá boa margem de manobra; doravante, dutos a serem instalados no mar só precisam do consentimento dos estados vizinhos, não mais dos "Cinco do Cáspio".
Uma das principais consequências é que o Turcomenistão pode afinal instalar seus próprios 300 km de dutos trans-Cáspio subterrâneos até o Azerbaijão – projeto que jamais foi exatamente encorajado pela Rússia. Esses dutos permitirão que o Turcomenistão diversifique em relação às massivas exportações para a China, alcançando o mercado europeu via Baku, em concorrência direta com a Gazprom.
Ashgabat pode ter afinal chegado à trilha rumo a situação de ganha-ganha; não só Baku poderá usar mais gás importado para compensar cortes na produção, mas também Moscou parece inclinada a reiniciar as importações de gás turcomeno.
Doravante, o jogo ao qual prestar atenção no Cáspio é até que ponto poderá ser aprofundada a cooperação econômica/de energia, no espírito de uma verdadeira integração da Eurásia, mesmo sem que a China esteja diretamente envolvida nos assuntos do Cáspio. Mas empresas chinesas estão pesadamente investidas no negócio de petróleo no Cazaquistão e são grandes importadoras de gás do Turcomenistão.
Historicamente, a Pérsia sempre manteve impulso demográfico, cultural e linguístico por quase toda a Ásia Central. A Pérsia ainda é um dos princípios organizadores da região; o Irã é potência centro-asiática, tanto quanto, simultaneamente, é potência do sudoeste da Ásia.
Com isso contrastam as nações cáspias ainda pesadamente influenciadas pelo ateísmo soviético e pelo xamanismo turco. Caso especialmente interessante a ser observado será o Azerbaijão – que está em parte na esfera de influência do ocidente via gasodutos como o BTC (Baku-Tblisi-Ceyhan), que atravessa a Geórgia até o Mediterrâneo oriental turco.
Foi A Arte da Negociação ao estilo da Ásia Central. O que já se sabe com certeza é que Cáspio 2.0 é grande vitória do multilateralismo, para a integração da Eurásia.*******
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