quinta-feira, 17 de setembro de 2015

"Agora somos todos gregos"

15/9/2015, Chris Hedge* entrevista Leo Panitch** 
Days of RevoltTelesur e The Real News Network


Vídeo (ing.) e transcrição traduzida pelo Coletivo Vila Vudu




CHRIS HEDGES, ENTREVISTADOR: Alô. Bem-vindos a esse "Dias de Revolta".

Estamos filmando a segunda parte de nossa discussão com o Professor Leo Panitch, (co)autor de 
The Making of Global Capitalism, aqui em Toronto. E vamos examinar a guerra política movida pelo sistema bancário internacional e pela elite neoliberal contra todos nós, mas particularmente contra a Grécia, porque a Grécia está na linha de frente, e muitos dos mecanismos que estão sendo usados para controlar a Grécia, a partir do exterior, são mecanismos intimamente familiares para todos nós.

Professor Panitch, obrigado.

LEO PANITCH: Alô, Chris. É ótimo estar aqui.

HEDGES: Então, dia 16 de julho, o Parlamento grego – sei que você vai discutir a avaliação de Tariq Ali, mas, nas palavras dele, o Parlamento grego cedeu a própria soberania, para tornar-se um apêndice semicolonial dos EUA.

PANITCH: Eu estava lá, dia 16 de julho. Acho que não está correto, na medida em que a Grécia não tinha plena soberania antes de 16 de julho, e nem sei com certeza que estados a têm, exceto talvez o Império Norte-americano, e em certa medida a Alemanha, dentro da União Europeia. Pode-se até dizer que a Grécia não tem plena soberania desde a derrota da esquerda no final da 2ª Guerra Mundial.

HEDGES: É, com a Guerra Civil Grega.

PANITCH: E não significa que tampouco a teria tido, se se tivesse convertido em parte do Império Russo.

HEDGES: Certo.

PANITCH: É obviamente o caso de que todos os estados dentro da União Europeia, especialmente do sistema monetário europeu, cederam parte da própria soberania, claro, dado o equilíbrio de poder dentro da União Europeia (UE). Significa muito mais para estados na periferia no sul, e foi mais evidente para a Grécia depois da crise do euro que irrompeu em 2010. Assim, não, não acho que tenham cedido a própria soberania, de repente, naquele dia. E acho que o novo governo eleito no final de Janeiro sabia bem, na estratégia que estava querendo seguir, que só teria sucesso se o sucesso viesse dentro da soberania partilhada que é a UE. 

HEDGES: Mas nesse sentido, é uma espécie de chantagem, de extorsão. O sistema bancário internacional e a UE sabem que poderiam destruir, que poderiam destruir facilmente a Grécia, a qual importa centenas de toneladas de comida – e não entendo por quê importa – da Europa Ocidental. Deveriam ser capazes de plantar a própria comida. Devem $1,2 bilhão a empresas europeias de produtos farmacêuticos, o que significa que, se saíssem do euro, absolutamente não teriam crédito. Não teriam como conseguir – já há falta de medicamentos nos hospitais. 60% – as pessoas falam de 50 a 60% de desemprego entre os jovens. Aposentados tiveram redução de 27% nas aposentadorias. Quero dizer: a Grécia está fisicamente em desintegração, Atenas está em desintegração.

E o que eles realmente – a mensagem que foi realmente enviada –, e por isso tenho alguma simpatia, e acho que você também, pelo SYRIZA – é que, se você simplesmente sai fora desse acordo, você vai acabar como Allende no Chile ou Fidel Castro em Cuba, quer dizer, com combustível racionado, filas para comprar pão, cortes de energia elétrica. E isso levou o ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, a dizer que, na essência, os bancos funcionam como os tanques funcionaram, no golpe militar de 1967.

PANITCH: Como tese geral, acho que está absolutamente certa, e acho que, como discutimos na entrevista anterior, a natureza do imperialismo hoje é tal, que o poder financeiro e as instituições do estado que administram o poder financeiro são só o que realmente importa.

HEDGES: Esse, precisamente, é o ponto de que você fala em seu livro.

PANITCH: E acho que a Grécia mostra isso. O que aconteceu no caso grego é que a enorme dívida que o estado grego tem primariamente com bancos alemães e franceses foi paga àqueles bancos com empréstimos que foram feitos à Grécia pelas instituições, pela Europa e pelos estados europeus.

HEDGES: Ok, vamos voltar um pouco, porque...

PANITCH: Parece que o dinheiro chegou à Grécia e poderia ser usado pela Grécia, mas não, nem chegou nem poderia. [Fala entrecruzada] O que aconteceu foi que no caso americano o procedimento TARP foi usado para resgatar diretamente os bancos de Wall Street. No caso europeu, com a conversa dos alemães sobre moral hazard[
risco moral], eles não resgatariam diretamente os bancos. Forçaram a Grécia a resgatar os bancos. E carregavam o peso da dívida porque já haviam resgatado o Deutsche Bank.

HEDGES: É.

PANITCH: Claro que é um escândalo. Em termos éticos é aterrorizante. Mas – e aí está outra razão pela qual o SYRIZA merece parabéns – o SYRIZA compreende muito bem que o estado grego corrupto e clientelista, praticamente todo ele comandando por um partido social-democrata naquele momento, foi quem fez toda a desgraça; foi o partido PASOK que pôs a Grécia nessa situação. Eles se uniram ao euro. Eles fizeram os acordos, na UE, equivalentes ao 
NAFTA, e assim, mediante projeções muito duvidosas, a agricultura grega foi integrada na agricultura europeia. Agora temos montanhas de pêssegos apodrecendo na Grécia. Certo?

HEDGES: É. Sabemos que foi Goldman Sachs, chegaram e ajudaram o governo grego anterior a dar uma cozinhada nas contas. Assim a Grécia pode entrar no euro. E penso também na importância que teve algo frequentemente ignorado – a profunda corrupção que havia entre o governo grego de então e os europeus – especialmente com a indústria de armas. O governo grego de então estava gastando 3,5% [do orçamento] me parece, para importar todos os tipos de equipamento automático de que não precisavam e aceitando todos os tipos de propinas. Quero dizer, houve colusão – entre um governo grego muito, muito corrupto e interesses financeiros e empresariais também muito corrompidos na Europa, que meteram a Grécia nessa confusão. E tudo foi mascarado ou ocultado pelo banco Goldman Sachs.

PANITCH: Sim, mas, Chris, se posso me expressar assim, há problema mais profundo que a corrupção em que estão envolvidos o Goldman Sachs ou a indústria de armas. O problema mais profundo é que o estado grego sempre foi estado clientelista e corrupto desde os anos 1830s. Em segundo lugar, a Grécia, como todos os nossos estados, envolveu-se bi desenvolvimento de movimentos de livre comércio e livre circulação de capitais ao longo dos últimos 20, 30 anos.

Daí o resultado de ter-se unido à UE, exceto pelo euro, é o que você destacou, a irracionalidade, certo, de o país ter-se especializado em pêssegos, em vez de diversificar a própria agricultura para produzir comida para o próprio povo grego.

HEDGES: Foi o que aconteceu na Índia.

PANITCH: Os gregos perderam a própria indústria de mobiliário! Há a indústria hoteleira que atende à indústria do turismo. É o grande item de exportação dos gregos, maior que azeite e vinho. Pois a indústria de mobiliário sempre forneceu os móveis para os hotéis gregos. Aquela indústria de móveis foi varrida pela UE.

Significa que, quando as pessoas dizem simplesmente que o problema é sair do euro e ir para a dracma, estão alimentando uma ilusão, porque a economia não pode sobreviver com a dracma. Precisaria de proteções, controles de importação, controles sobre os capitais etc., que tornem possível um tipo de reconstrução da produção e consumo com ampla base dentro da Grécia, o que não pode existir dentro do mercado comum da UE.

HEDGES: E nada disso aconteceu por acaso. E você... você acaba de descrever um sistema que, como você já disse corretamente, não se pode sustentar, a menos que receba esse tipo de estímulo.

PANITCH: Exatamente. A dificuldade é que, diferente de Cuba, onde a maioria da população eram camponeses de uma agricultura de subsistência em 1959, a vasta maioria dos trabalhadores gregos viveu sob padrões crescentes de vida durante os anos 1990s, e, de fato, também na primeira década dos anos 2000s, e se habituaram... Lembro que vi longas filas de pessoas querendo comprar ações, quando a bolsa começou a operar.

HEDGES: Sim, mas era riqueza artificial.

PANITCH: Claro. Quero dizer que a natureza do problema é essa. Mas o grau de integração é tal que, se você tentar desmontar todo o sistema agora, as pessoas não estão seguras de que queiram correr os riscos. E isso torna muito, muito difícil, a política disso tudo.

HEDGES: Não há dúvida de que, no fim das contas, nada disso é sustentável. Parece que desse aspecto ninguém discorda.

PANITCH: Sim, todos eles sabem disso. Todos sabem que não funcionará. E de fato não só o FMI já o diz abertamente. Schäuble, o ministro de direita das Finanças da Alemanha, chegou lá, naquelas reuniões finais e disse publicamente o que sempre fora sua opinião, que a Grécia deveria ser posta fora do euro. Schäuble perguntou a Varoufakis: quanto você quer para cair fora?

HEDGES: Foram – parece que ofereceram $50 bilhões para tirar Varoufakis das reuniões...

PANITCH: Certo. Agora, os alemães estão preocupados, principalmente, com fazer com que o BCE aja como o Banco Central Alemão (German Bundesbank), quer dizer, tratar a inflação como único problema, o desemprego como se não existisse, e, sobretudo, proteger o euro como se fosse o marco alemão. Tudo, para facilitar as exportações alemãs. Essa é a principal preocupação deles. Então, se a Grécia está no euro e está causando problemas para a Alemanha, querem ver a Grécia pelas costas. O acordo feito naquele fim de semana terrível, depois de terem vencido o referendum, foi baseado nisso.

E por fim, os social-democratas à volta da mesa, principalmente Hollande, disseram, OK, temos de dar à Grécia um pouco mais de espaço de manobra. Obama finalmente estava pressionando – e deveria ter pressionado muito mais do que pressionou. Schäuble foi àquela reunião e disse 'queremos os gregos fora daqui'. E em vez de as negociações acontecerem em torno de quanto espaço seria dado aos gregos para manobrarem, eles passaram a discutir o que fazer para manter os gregos; o palavreado draconiano que apareceu no memorandum foi o modo como eles resolveram essa discrepância.

HEDGES: Mas por quê? Quero dizer, se o arranjo não é sustentável – e acho que quanto a isso há unanimidade –, o que vai acontecer? Por que manter a Grécia?

PANITCH: Bem, é o 'risco moral' [ing. moral hazard]. Existe para mostrar – e também praticamente todos os programas de ajuste estrutural do FMI, programas que também realmente nunca funcionam – todos existem para mostrar que os povos têm de submeter-se à disciplina do capital financeiro, como você o chamou. Não significa que algum acordo vá ser realmente implementado, mas com certeza basta para deixar as pessoas mortas de medo.

HEDGES: É feito essencialmente para mandar um recado a Portugal e Irlanda e Espanha e...

PANITCH: ... e tem o efeito de dividir o SYRIZA, um dos mais importantes novos partidos da esquerda que surgiram nos últimos 20, 30 anos. Queriam muito conseguir isso.

HEDGES: Nesse sentido, pode-se dizer que o que está acontecendo na Grécia nada tem a ver com economia. É questão política [fala entrecruzada]

PANITCH: Oh, certamente, com certeza, é questão absolutamente política, embora muitos dos que estão agindo nessa questão tenham cabeça de caixa de banco e entendam que o sistema estatal é estruturado pela regra capitalista. Mas eles não se veem, eles mesmos, como capitalistas. Assim, se você diz 'vou taxar lucros, em vez de comida', eles dizem 'não é muito garantido que você consiga receita suficiente, de impostos sobre lucros'. Ninguém sabe como se comportará a taxa de crescimento. E eles podem contratar contadores e advogados para acharem vias para não pagarem impostos. Mas comer, todos têm de comer. Então, o melhor negócio é impor um imposto sobre venda de comida.

HEDGES: É. Acho que foi Ward Churchill, me parece, que os chamou de "Eichmann-zinhos".

PANITCH: Sim, isso mesmo.

HEDGES: Sempre se trata é de fazer o sistema funcionar.

PANITCH: Sempre. Hannah Arendt entendeu esse processo, por vários diferentes caminhos.

HEDGES: Nada tem a ver com se as pessoas comem mal, se são mal nutridas...

PANITCH: Exatamente.

HEDGES: Não tenho os números, mas... já há estudos sobre a má nutrição como problema real na Grécia.

PANITCH: E é preciso lembrar que terão de renegar os projetos humanitários que já estavam implantados. – Não acho que venham a renegar isso, embora o memorandum exija que os gregos reneguem, e a esquerda esbraveja que eles já renegaram. Mas ainda não renegaram e não acho que venham a renegar. Os programas de salvação humanitária que introduziram imediatamente, em fevereiro, logo depois de serem eleitos, ainda não foram cancelados, e isso teve impacto imenso sobre o povo, que é quem mais sofre.

HEDGES: O que a Grécia nos diz sobre o mundo em que vivemos?

PANITCH: Acho que a Grécia nos diz que no século 21, nos termos do velho debate sobre reforma ou revolução, a reforma já não é possível dentro do capitalismo. Os que tenham a ambição de humanizar o capitalismo – grande parte da esquerda norte-americana, inclusive a esquerda canadense, viviam todos sob a impressão de que a Europa representaria uma variante 'mais humana' de capitalismo.

HEDGES: Permita-me interrompê-lo, para chamar a atenção para um ponto que você conhece bem: os representantes da 'nova' esquerda, incluído o New Democratic PartyNDP, que pode vir a vencer as eleições canadenses, eram entidades criadas para suplantar eleitoralmente a esquerda radical, assim como a National Association for the Advancement of Colored People, NAACP, foi criada para esvaziar o Partido Comunista. Hoje, grande parte dos que se apresenta como esquerda nos EUA, também no Canada, são já entidades acomodatícias...

PANITCH: Não há dúvidas.

PANITCH: Mas o NDP divulga – e concorre às eleições com essa plataforma – a noção de que a UE seria prova de que pode haver um capitalismo viável, humano, igualitarista, que pode ser simultaneamente competitivo e justo, que pode alcançar os padrões neoclássicos da eficiência capitalista e ser igualitário. Pura fantasia. Nenhum capitalismo pode ser igualitário. Não é verdade que aconteça dentro da UE. Tudo que a esquerda norte-americana e europeia diz nessa direção está errado.

A UE segue pela mesma velha trilha neoliberal. A UE tem o neoliberalismo no DNA. Isso significa que o espaço para reformas, como se entenderam as reformas no século 20 a partir do New Deal, do estado de bem-estar adiante, é muito, muito, muito limitado.

HEDGES: No seu livro, você diz que essa, como se diz, 'humanização' da economia neoliberal foi causada pelo medo gerado pela possibilidade de um movimento revolucionário. Como já 
discutimos no primeiro programa, você cita Roosevelt, que usa a palavra. E a erradicação daquele contrapeso permitiu, na essência, que a economia neoliberal se tornasse puramente predatória e destruísse os mecanismos liberais que, um dia, tornaram possíveis algumas reformas fragmentadas e incrementais; e entendo, como você diz muito corretamente, que sem aquele contrapeso não há ímpeto para nenhum tipo de reforma.

PANITCH: É. Mas a situação na verdade é ainda mais problemática. Porque a força dos movimentos pró-Trabalho, e porque passaram a apoiar partidos social-democratas e até o Partido Democrata nos EUA, que é onde isso tem mais efeito, seguiu o mesmo rumo por algum tempo, muitas daquelas reformas foram obtidas. E elas acabaram por minar o capitalismo. É o que se pode ver claramente quando trabalhadores não têm medo e, mesmo quando vivam sob condições de pleno emprego, ainda assim fazem demandas que, sim, pesam sobre o dinamismo do capitalismo e sua eficiência.

O que se vê é que não se trata de 'bandidos' que não querem ajudar o povo, gente sem ética, gente imoral, que se nega a reformar o capitalismo. O sistema já não estava funcionando na crise dos anos '70s. E dado que não estava funcionando e a esquerda, incluídos os sindicatos, não foi capaz de ir além daquelas reformas, que não passavam de acomodações ao capitalismo, como você disse, para propor e alcançar um novo conjunto de relações sociais, um novo modo de produzir e consumir mediante planejamento econômico democrático, claro, aí surgiu o espaço para os que estão salvando o sistema.

HEDGES: OK, mas foram os capitalistas que criaram esses [entre aspas] "reformistas" [fala cruzada].

PANITCH: Foram criação dos capitalistas, mas houve também um fracasso da esquerda. E é problema da esquerda hoje, que quando dizemos que não há espaço para reformar... Sejamos claros: o que significa dizer que precisamos de uma revolução, no século 21?

HEDGES: Boa pergunta, porque agora somos todos gregos e todos estamos com o arrocho [orig. 'austerity'] atravessado na garganta. Estamos reconfigurando a economia global para uma espécie de neofeudalismo. Assim sendo, como você dizia, o que significa revolucionar?

PANITCH: Eis por que todos que assistimos de longe, de fora da Grécia, devemos ter muito cuidado, extrema modéstia, ao atacar o SYRIZA, 'porque' teria 'cedido', 'traído', 'retrocedido' etc., etc. A situação é infernalmente difícil. Precisamos de muita modéstia comunista, de muita reflexão cuidadosa. Temos de construir – e foram 30 longos anos até construir o que o SYRIZA veio a ser. Temos de ter o tipo adequado de perspectiva de longo prazo para construir os tipos de organizações necessárias para ir além do ponto a que chegou o SYRIZA.

HEDGES: Você está falando de organizações revolucionárias, certo?

PANITCH: Sim, mas não sei o que, exatamente, deva significar a expressão "organizações insurrecionais".

Uma das coisas que a esquerda tem de aprender do século 20 é que o modo como a esquerda se autoespancava naquele tempo, discutindo 'reforma' versus 'revolução' muitas vezes significava discutir 'insurreição' versusparlamentarismo. E insurreição não levou tampouco a qualquer coisa que fosse assim tão extraordinariamente bom.

Por isso penso que temos de ultrapassar aquele velho debate e reformulá-lo por novas vias. Provavelmente, é assunto para outra conversa.

HEDGES: Sim, mas... que cara tem isso em que você está pensando?

PANITCH: Acho que... ao contrário do debate antigo, temos de tentar encontrar meios para fazer política eleitoral e parlamentar que tenham implicações revolucionárias. Penso que isso significa unir-se, como fez o SYRIZA, aos movimentos sociais, de um modo que supere o que tem sido o anarquismo dos movimentos sociais, a orientação contra-partidos, dos movimentos sociais.

HEDGES: Sim, mas... tradicionalmente, movimentos revolucionários constroem movimentos que têm uma expressão política. Mas o principal, o fator supremo, são os movimentos.

PANITCH: Acho que está certo, mas não foi o que se viu no início do século 20, quando sindicalistas e anarquistas eram muito anti-partidos e tinham uma noção de que revolução existe para pôr fim ao estado. E viu-se outra vez a mesma coisa no início do século 21, dados os desapontamentos com os partidos comunistas e social-democratas e com o Partido Democrata. Você viu uma forte corrente anarquista na esquerda, orientada para os protestos de rua. E por mais que eu ache que foi maravilhoso e impressionante, você pode fazer comícios e passeatas todos os dias até o Juízo Final e nem por isso conseguirá mudar o mundo, porque para mudar o mundo você tem de entrar no estado e transformá-lo.

Assim sendo, entendo que precisamos de um tipo de esquerda que empenha muito trabalho em pensar e em preparar-se para o trabalho de democratizar o estado, como se constroem capacidades populares para poderem conectar-se ao estado, para mudar o estado nas próprias comunidades locais, no modo como se relacionam uns aos outros na produção e no consumo.

Um dos defeitos do SYRIZA, o principal, me parece, é que não se organizaram com as redes de solidariedade para desenvolver planos alternativos para, digamos, transformar a agricultura grega, para que não houvesse as montanhas de pêssegos podres e ninguém dependesse dos subsídios que a Europa paga para os gregos comerem comida europeia e produzirem exclusivamente montanhas de pêssegos podres. Isso, me parece, o SYRIZA teria de desenvolver muito, muito mais. E foi o que critiquei antes.

HEDGES: E é bem verdade, por exemplo, dentro dos EUA ou Canadá ou em outros locais, onde se trata de retornar a um tipo de autonomia local – vê-se bem claro no movimento da comida – de mofo que se possa quebrar a espinha dorsal das forças centralizadas que distorcem a economia para criar colheitas privadas de dinheiro, e monocultura e tal. Por isso, em vários sentidos, essa é a grande pergunta: será que a coisa começa mesmo nos movimentos de base, você transformando sua cidade, sua sociedade, sua vila, a moeda local, e daí a coisa sobre cadeia acima?

PANITCH: Acho que não. Acho que é preciso considerar tudo isso, se me dão licença de usar essa palavra, mais dialeticamente. Acho que não pode acontecer sem que, ao mesmo tempo, estejam sendo feitas mudanças no plano nacional, porque, para só falar desse aspecto, algumas áreas locais que têm mais recursos que outras estarão mais bem posicionadas.

Mas em segundo lugar, porque o que se pode fazer no nível local é bem pouco, se não se promoverem mudanças simultaneamente nos níveis superiores, dado o grau de integração do local no global. Por tudo isso, penso que sejam coisas simultâneas. E absolutamente não acho que o tipo de política, a profundidade política da qual estamos falando, seja gerada apenas no nível local. Acho que é preciso que haja partidos políticos nacionais que assumam a responsabilidade por desenvolver no nível local a capacidade para pensar modos alternativos de produção, que não seja meramente autorreferente; e para pensar formas de representação a partir do nível local, ao nível regional e ao nível nacional, onde as desigualdades que existem e existirão entre diferentes localidades, dadas as diferenças de recursos, capacidades, etc., terão inevitavelmente de ser barganhadas, superadas, amenizadas, etc.

HEDGES: Acho que... você fala assim porque é canadense e não vive num sistema político fechado como nós, nos EUA. Quero dizer, ainda há possibilidade de um movimento de terceiro partido [orig. third-party movement]. Ainda há – e acho que, infelizmente, no plano nacional, fomos como cidadãos congelados. Mas cada país tem de responder à própria realidade.

PANITCH: Bem, minha ideia é que, até que a esquerda dos EUA consiga – se me permite o palavrão na televisão – dar algum jeito nessa merda, o que quer que nós façamos fora dos EUA será sempre muito limitado. Assim sendo, vocês lá têm de prestar atenção ao que podem fazer no plano nacional, como no local, do nosso ponto de vista.

HEDGES: Esperemos que, pelo menos, não arrastemos vocês para o buraco, junto conosco. [Despedidas, FIM DA TRANSCRIÇÃO].






* Chris Hedges publica em Thruthdig às 2as-feiras, e trabalhou durante quase 20 anos como correspondente estrangeiro na América Central, Oriente Médio, África e nos Bálcãs. É autor de nove livros, dentre os quais Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle (2009), I Don't Believe in Atheists (2008) e o best-seller American Fascists: The Christian Right and the War on America (2008).


** Leo Panitch é diretor de pesquisa em Economia Política Comparada e professor-pesquisador emérito de Ciência Política na York University em Toronto. É autor de vários livros, os mais recentes dos quais são The Making of Global Capitalism: The Political Economy of American Empire e In and Out of Crisis: The Global Financial Meltdown and Left Alternatives. É também coeditor de Socialist Register, cujo volume de 2013 é The Question of Strategy.

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