Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Rússia assumiu a liderança no apoio à Síria esse verão, iniciando ativamente seus esforços para levar uma solução
diplomática à crise naquele país e, afinal, organizar uma coalizão ampla anti-ISIL.
A rapidez que se observa nos movimentos dos russos tem a ver, em grande medida,
ao espectro crescente de uma invasão de
forças conjuntas de EUA-Turquia que pesa ameaçadoramente sobre o Oriente Médio.
Perturbados (i) pelos sucessos que a Rússia tem tido nos contatos com tradicionais
aliados dos EUA no Oriente Médio; e (ii) pela potência do Exército Árabe Sírio nas ações de
enfrentamento contra recentes tentativas de massacre que a Síria tem enfrentado, os
EUA ordenaram à sua imprensa-empresa de serviços que iniciasse intensa guerra
de informação contra a Síria, na esperança de conseguirem (i) quebrar a
resistência dos sírios; e (ii) complicar o quadro onde se aplicam os esforços
russos para ajudar os sírios.
Essa guerra híbrida de informações manipula três fatores disparatados, mas
interconectados: crise dos refugiados, esforços russos para ajudar a Síria e
zonas de sobrevoo nos Bálcãs, para promover a política exterior dos EUA e
promover um pacote de mitos 'jornalísticos' que ajudarão a aprofundar a
desestabilização da Síria.
Politizar a crise humanitária
A crise dos refugiados foi criada em 2011 pelas
campanhas ocidentais para forçar mudança de regime na Líbia e na Síria, mas até
esse ano, não havia chegado às páginas da imprensa-empresa de 'noticiário'.
Milhões de sírios já foram deslocados pelos tumultos, e a ampla maioria deles
escolheu permanecer no país; uma minoria (também de milhões, e marcada pela
posição antigoverno) optou por partir para o exterior. Lá chegados, muitos
desses expatriados passam a viajar para países da União Europeia, com vistas a
ter acesso àqueles generosos benefícios sociais e a uma oportunidade para
trabalhar e serem pagos em euros.
O gatilho que disparou a mais recente onda foi, segundo Ghassan e Intibah Kadi, a decisão da
Turquia de permitir que os refugiados sírios instalados em campos na Turquia
finalmente pudessem sair e viajar para a Europa. Essa migração massiva e a
política de nada perguntar e garantir asilo a refugiados sírios levou muitos
não sírios a se apresentar com nacionalidade falsa e viajar também, o que
agravou a crise e fez subir ainda mais os números impressionantes.
Os EUA auferiram alguns benefícios
estratégicos ao encorajar esse processo e orientá-lo para uma via geopolítica já
premeditada, mas não se viu explícita politização da situação, até que se
distribuísse viralmente a foto de Aylan Kurdi e começasse a aparecer na
internet no final de agosto.
A partir de então os abutres 'jornalísticos' não perdem chance de exibir
cadáveres de crianças para alimentar suas narrativas políticas, que comecem por
onde começarem sempre acabam por culpar o presidente Bashar al-Assad pela
tragédia e usar a indignação generalizada em torno dela para 'justificar' as
operações de bombardeio comandadas localmente por UK e França e ditas 'anti-ISIL' na Síria (as
francesas serão provavelmente anunciadas em breve). Além disso, a afiliação antigoverno
de muitos dos refugiados que chegam à Europa opera como excelente fator para
recrutamento de 'rebeldes', sobretudo agora, quando os EUA acabam de anunciar que estarão "reformulando"
seu programa de 'mudança de regime' na Síria. Além de tudo isso, o simples
fato de que alguns estados da União Europeia se mostrem tão acolhedores para
os refugiados criam um poderoso fator extra que visa a desmantelar
demograficamente a Síria, provocando mais emigração de, precisamente, os grupos
mais jovens e produtivos da população (os quais, é preciso não esquecer,
poderiam decidir optar por ajudar o próprio país, num momento de guerra
terrível, em vez de emigrar [grifo do Blog]).
Inventar uma intervenção
Ver através da mentira:
O elemento seguinte na guerra de informação contra a Síria foi artigo publicado num
veículo obscuro de informação israelense, Ynet
sobre uma possível intervenção russa por solo contra o ISIL, que estaria sendo
preparada. Postado no Twitter pela frente terrorista Al Nusra fez aumentar ainda
mais o frenesi, que é absolutamente ridículo por pelo menos duas razões: (1)
terroristas apoiados por Israel jamais foram ou
serão fonte confiável de informação; e (2) a Rússia há anos fornece abertamente equipamento militar
à Síria e nunca manifestou qualquer interesse em oculta tal fato.
Apesar da informação flagrantemente falsa do jornalismo produzido por Ynet e a Frente al-Nusra, toda a
imprensa-empresa ocidental entrou em frenesi, e o
sensacionalismo rapidamente ascendeu até o secretário de Estado – com Kerry dando-se
o trabalho de, até, telefonar a Lavrov sobre o assunto.
Falar aos grandes públicos:
Esse episódio da guerra de informações foi concebido para desencaminhar o
'jornalismo' e criar algo a oferecer à imprensa-empresa para mantê-la desatenta
durante uma semana, enquanto se organizam ações muito mais importantes. A
intervenção inexistente, tornada 'factual' pela imprensa-empresa ocidental
dominante foi orientada simultaneamente para os públicos sauditas, russos e
sírios.
Quanto ao público saudita, os EUA estão apreensivos com as relações cada dia mais
íntimas entre Rússia e Arábia Saudita, especificamente no contexto diplomático,
que podem levar ao fim da Guerra contra a Síria; quanto a isso, os EUA tentaram
meter uma cunha na engrenagem desses esforços,
inventando a falsa 'notícia' de que a Rússia estaria subindo unilateralmente as
apostas e abandonara o quadro das negociações secretas.
Assim o noticiário forjado visava também a distorcer a ideia por trás da
coalizão anti-ISIL proposta pela Rússia – que nunca foi criar uma frente russa
naquela guerra, mas reunir as forças militares já envolvidas sob um único guarda-chuva
coordenado de operações antiterroristas reais e efetivas.
Os russos:
Quanto ao público russo, os EUA quiseram fomentar divisões internas na
sociedade política russa que surgiram desde que Moscou pela primeira vez
divulgou seu total apoio à luta antiterrorista em Damasco. Há grupos na Rússia que
discordam dessa abordagem e entendem que se trataria de arriscada superdistensão
do interesse nacional russo. O objetivo da divulgação do noticiário forjado foi
reforçar esses grupos de oposição, exatamente quando a Rússia está reduzindo
seu envolvimento na Síria. Por mais que alguma oposição 'hiper-patriótica' (com
alguns membros que agitam também na direção de intervenção convencional dos
russos no leste da Ucrânia) não tenha qualquer efeito nas relações entre Rússia
e Síria, o ponto e continuar a reforçar esse novo tipo de sentimento
antigoverno e testar a receptividade que tenha na população russa.
Outro objetivo de divulgar noticiário forjado é monitorar as vias pelas quais
as notícias falsas se disseminam pelos canais da imprensa-empresa russa
tradicional, e a rapidez e as vias que o governo russo usará para reagir a elas.
No que tenha a ver com a Rússia, o objetivo geral dessa específica escaramuça
na guerra de informações foi testar o modo como operam vários fatores; desse
teste, os EUA contavam com obter dados para aperfeiçoar estratégias mais
efetivas contra os russos, no futuro; no que tenha a ver com impacto imediato,
foi visivelmente muito fraco, ou nenhum.
Sírios:
Finalmente, o principal alvo desse falso noticiário foi a Síria: os EUA
tentavam especificamente esvaziar as esperanças dos sírios de que a guerra
estivesse próxima do fim e tornar a população ressentida contra o próprio
governo. Há grupos dentro da Rússia que entendem que o país deveria fazer mais
para ajudar o Exército Árabe Sírio; para esses grupos, notícias de uma próxima
intervenção direta dos russos foram boas notícias, que atenderiam diretamente
seus desejos e expectativas. Assim, quando afinal se divulgasse que as notícias
são falsas, que não passaram de boatos, esses grupos teriam motivo para
'desiludir-se' ainda mais, se sentiriam 'traídos', lamentariam que a Rússia
'tivesse desistido' do que, de fato, nunca cogitou levar a efeito. Um dos
efeitos desse tipo de manipulação é provocar dano à solidez da parceria
estratégica russo-síria nos corações e mentes da população.
Na mesma linha, a 'notícia' falsa de uma intervenção russa serviria como
instrumento para grupos discordantes dentro da sociedade russa, que teriam
'material' de 'noticiário' suficiente para muitas manchetes sobre uma "ocupação
russa" e a chegada dos "esquadrões da morte russos".
Ainda nessa linha, segundo palavras do ministro sírio
da Informação, Omran al-Zoubi,
"Tudo isso serviu para insinuarem que o estado sírio seria fraco e que os
militares sírios estariam tão enfraquecidos a ponto de terem de recorrer de
outro modo à ajuda dos amigos."
Desnecessário dizer que indivíduos dispostos a acreditar nessa linha de
raciocínio são também muito interessados em fugir do país, o que também
contribui para perpetuar a forte drenagem demográfica infligida ao país – a
qual, só ela, já é forma muito severa de guerra assimétrica.
Todas as contas feitas, e dado que é provável que os EUA e aliados tenham
previsto que os boatos logo arrefeceriam aos olhos de públicos maiores, o alvo
da campanha de falsas notícias foi gerar reação de pânico e de desespero entre
os segmentos da população já tendentes a deixar o país e entre os mais
receptivos à retórica antigoverno, que se encarregariam de divulgar e
reproduzir a imagem de uma 'intervenção' russa como uma 'invasão por esquadrões
da morte'.
Como em relação aos russos, a boataria reproduzida e ecoada pela
imprensa-empresa que serve aos interesses dos EUA-Israel teve também o objetivo
de testar a reação do povo e das autoridades da Síria, nesse caso com o
objetivo de dar os toques finais a uma estratégia que pode vir a ser usada
muito mais rapidamente contra Damasco, que contra Moscou.
Envolver também os Bálcãs
Grécia:
A parte final do mais recente pacote da guerra de informações do ocidente
contra a Síria teve a ver com envolver os países do Báltico nesse mesmo
específico quadro de tensões de uma Nova Guerra Fria entre EUA e Rússia. O que
se soube é que os EUA ordenaram à Grécia que negasse à Rússia o direito de usar
seu espaço aéreo para entregar ajuda humanitária a refugiados internos na
Síria, mas – surpreendentemente, em certo sentido – o governo interino grego recusou-se a obedecer a Washington.
Esse evento é ilustrativo de dois importantes fatos: (1) os EUA sentiram-se
suficientemente confiantes de sua habilidade para explorar a confusão políticas
que há hoje na Grécia, para empurrar o país para um 'pivô' anti-Rússia; e (2) as
autoridades gregas, apesar de serem hoje governo interino, compreenderam que é
do interesse nacional grego preservar boas relações com a Rússia para construir
o oleoduto Ramo Bálcãs, a ponto de se arriscarem perigosamente a desobedecer
ordens dos EUA.
A questão geopolítica que define essa interação ordens-desobediência é a intensa
disputa entre os oleodutos Balkan Stream e Eastring [literalmente: Ramo Bálcãs e Anel
Leste], com os EUA sempre prontos a prejudicar o andamento do primeiro, com
vistas a fazer avançar o segundo; enquanto a Grécia valentemente comprova que
tem habilidade para compreender e resistir contra a pressão de Washington e
confirmar o compromisso que assumiu com a Rússia, sobre o oleoduto.
Bulgária:
Bulgária é o polo oposto da Grécia nesse assunto, desde que decidiu (aparentemente
por vontade própria e sem que ninguém lhe
ordenasse) proibir que aviões russos de transporte de ajuda humanitária sobrevoe
seu espaço aéreo a caminho da Síria. Tudo sugere que o ato tenha sido revide,
por a Rússia ter exposto o blefe búlgaro mal concebido, de substituir o Ramo
Sul pelo Ramo Turco, uma vez que a Bulgária continua furiosa, desde que
percebeu que esse mau passo praticamente destruiu qualquer possibilidade de o
país algum dia conseguir arrancar-se do status de economia de fundo de quintal,
para converter-se em economia europeia, pelo menos, seminormal.
Bulgária nega utilização de seu espaço aéreo para vôos de ajuda humanitária da Russia para a Síria
Embora tenha voltado atrás em parte e dito
que permitirá o sobrevoo dos aviões russos, sob a condição de que a carga seja
previamente inspecionada, Moscou descartou a 'oferta' vergonhosa de Sofia e
informou que já encontrara outras vias aéreas
acessíveis, com o Irã, que logo se apresentou com alternativa
viável.
Nesse movimento, com suas ações de obstrução, o estado do Mar Negro revelou em grande
parte a natureza de sua elite política contemporânea – confirmando a fama de
que gozam os governantes búlgaros ("os Patetas eslavos dos
norte-americanos nos Bálcãs").
Além disso, se se pensa mais a fundo sobre o timing e o espontaneísmo da decisão dos búlgaros, o mais provável é
que tenham feito o que fizeram para tentar ganhar apoio adicional dos patrões
norte-americanos, depois de as ordens de Washington terem sido valentemente
rejeitadas por Atenas.
A Bulgária quis 'agradecer' aos EUA por terem enviado equipamento pesado e Marines ao país, aparentemente para
'protegê-lo contra agressão russa'. Na realidade, o deslocamento de armas e
soldados só facilita a
agressão, pela Bulgária, contra a vizinha Macedônia, que muitos na Bulgária
recusam-se a reconhecer como etnia, idioma e estado independentes.
Para benefício estratégico dos EUA, a Bulgária permite que a OTAN mantenha os
segmentos turco, grego e macedônio do Ramo Bálcãs estrategicamente ao alcance
de uma de suas bases, para ‘reação rápida’.
Significado geopolítico:
Voar sobre os Bálcãs em rota para a Síria atendeu a um objetivo estratégico
russo que mais do que compensou pela maior distância a ser coberta, se se
compara com nova rota iraniana-iraquiana. Claro que seria mais fácil, se a Rússia
pudesse levar seus aviões pelo espaço aéreo turco diretamente para a Síria, mas já se sabe que essa rota é
obviamente inoperável, a julgar por outras ocasiões em que a Rússia serviu-se
da via pelos Bálcãs, e isso, provavelmente, porque Ancara sempre impediu
qualquer tipo de ajuda russa para a Síria. Seja como for, os Bálcãs são muito
preferíveis à alternativa pelo leste, porque mantêm os aviões russos fora da
área de operações da coalizão liderada pelos EUA e chamada "anti-ISIL".
Há um ano, talvez não fosse tão importante, quando essa rota não estava sendo
usada. Mas com EUA e outros aviões por ali, esporadicamente, e acintosamente
sem coordenar suas ações 'antiterroristas' com Damasco, permanece o risco de
que ocorra alguma 'confusão', no caso de ser derrubado algum avião russo e
criar-se uma crise internacional. Esse cenário seria gravemente amplificado, se
pilotos russos chegassem a ser capturados pelo ISIL e talvez publicamente
executados – o que geraria efeito considerável na opinião pública russa.
Considerando os riscos envolvidos, a insistência dos russos, que querem
continuar a prover a Síria com ajuda humanitária mesmo nas atuais
circunstâncias ainda mais difíceis, é prova da solidez da parceria estratégica
russos-sírios e do empenho de Moscou para ajudar Damasco na sua luta
antiterroristas.
À guisa de conclusão
Contra esforços revigorados da Rússia para encontrar solução diplomática para
Guerra contra a Síria, EUA resolveram pôr em andamento um guerra híbrida de
informação, com três braços, para tentar tornar ainda mais difícil a situação
do povo sírio. A crise dos refugiados foi politizada e convertida em nova arma
assimétrica de mudança de regime contra o país, criando conflito que a Síria,
sozinha, não pode resolver e que põe o país em situação de perene
vulnerabilidade estratégica.
O boato distribuído mundialmente por EUA e Israel, sobre intervenção terrestre
do exército russo contra o ISIL foi uma segunda onda de desestabilização soft, prevista para obstruir a montagem
da coalizão anti-ISIL proposta pela Rússia e, também, para minar a confiança no
Exército Árabe Sírio.
Na mais recente tentativa para subverter a Síria, os EUA tentaram, mas não
conseguiram, pressionar a Grécia para que negasse à Rússia autorização para
usar seu espaço aéreo no transporte de ajuda humanitária para a Síria; mas
conseguiram que, sem mais nem menos, a Bulgária se oferecesse para fazer o
mesmo papel (motivada por um duplo desejo de agradar ao patrão e de agradecer
pelo equipamento pesado, pelos Marines e
pela bases 'de resposta rápida que ganhou) – o que gerou uma inconveniência
desnecessária.
A guerra reforçada de informação, de Washington contra a Síria, nesse
específico momento, equivale a forte declaração de o quanto os EUA ressentem
que a Rússia esteja sendo tão bem-sucedida no trabalho de contribuir para
resolver os problemas da Síria – exatamente quando a desestabilização 'soft',
pelos EUA, atinge nível sem precedentes desde o início dessa crise.
Nunca antes os EUA haviam tentado instrumentalizar o fluxo de refugiados como
meio para 'estimular' seus aliados britânicos e franceses a envolver-se
militarmente eles próprios na Síria; nem nunca antes haviam inventado que
haveria na Síria algum tipo de intervenção militar russa (embora tenham feito
precisamente isso no caso da Ucrânia Ocidental [grifo do Blog]).
O que mais incomoda, claramente, os EUA, é a ajuda humanitária que a Rússia
está dando à Síria (porque os EUA acreditam que seja cobertura para ajuda
militar, fator mais determinante que tudo que tem sido 'declarado' publicamente).
E isso incomoda muito gravemente os EUA, a ponto de terem tentado interromper a
cooperação entre Grécia e Moscou. Todas essas medidas evidenciam o medo dos EUA
de que a ajuda física e diplomática que a Rússia está dando à Síria já comece a
dar sinais de que conseguirá levar a guerra, que já dura quatro anos, a uma
conclusão pró-governo de Bashar al-Assad. *****
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