Os EUA estão trabalhando contra o desenvolvimento independente dos países latino-americanos; mais uma vez, usando seu poder militar e influência.
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Por mais de três séculos, os EUA viram a América Latina como "quintal"
deles, uma esfera de influência na qual as decisões do hegemon não eram
questionadas. A história do hemisfério ocidental, falando em termos amplos,
reflete essa realidade, com os EUA sempre influenciando ativamente, dominando
e, por vários meios e modos, controlando o desenvolvimento político e econômico
de muitos dos países da América do Sul e Central, além do Caribe.
Anos recentes, porém, têm sido testemunhas de crescente independência e firmeza
de decisões de várias nações da região, atitudes que muito devem à atuação do
falecido presidente Hugo Chávez da Venezuela. De fato, com a Venezuela como
caso exemplar, e Chávez como iniciador do processo de integração regional e
promoção da segurança coletiva, a América Latina foi-se tornando cada vez mais
independente de seu imperial vizinho do norte.
E é precisamente essa independência política, econômica e cultural que os EUA
já começaram a atacar, do modo mais forte que o Império tem para seu uso:
militarmente. Servindo-se de pretextos que vão da "Guerra às Drogas"
até a assistência humanitária e a "Guerra ao Terror", os EUA buscam
reimplantar seu tacão militar na região, para assim preservar e ampliar sua
influência hegemonista.
Invasão silenciosa
A distribuição de forças militares dos EUA em toda a América do Sul e Central
faz lembrar os dias
mais terríveis do imperialismo norte-americano na região,
quando Washington instalara regimes-clientes e ditaduras fascistas, para assim
controlarem o desenvolvimento político e econômico de nações que, sem controle
violento, teriam abraçado a via da independência e do socialismo. E é a
lembrança daqueles dias que nos vem imediatamente, se se examina com olhos
críticos o que os EUA estão fazendo hoje, no campo militar-militarista.
Na América Central, forças militares norte-americanas penetraram já países
chaves, sob o pretexto de operações contra traficantes de drogas ilícitas. Em Honduras,
por exemplo, os EUA desempenharam papel chave no apoio, assessoramento e
coordenação militar do governo de direita que assumiu o controle do país em
2009, por golpe entusiasticamente apoiado pela então secretária de Estado Hillary
Clinton e todo o governo Obama. Como o Congresso Norte-americano para a América
Latina [ing. North American Congress on
Latin America (NACLA) relatou:
"O crescimento ininterrupto da assistência que os EUA dão às forças
armadas [de Honduras] é indicador tácito do apoio dos EUA. Mas o papel dos EUA
na militarização das forças nacionais de polícia também tem sido ininterrupto e
direto (...) A Equipe de Apoio e Aconselhamento Internacional [orig. Foreign-deployed Advisory Support Team
(FAST) Agência de Combate às Drogas Ilegais (DEA) dos EUA (...) está firmemente instalada em Honduras, para dar
treinamento às unidades locais de polícias de combate ao tráfico de drogas
ilegais, e ajuda a planejar e a executar operações de guerra às drogas (...)
Essas operações sempre foram praticamente idênticas a missões militares (...)
Segundo o New York Times, cinco
"comandos em tudo semelhantes a forças guerrilheiras" de agentes da FAST-DEA norte-americana estão
implantados na América Central, para treinar e apoiar unidades locais de
políticas antinarcóticos (...).
Em julho de 2013, o governo de Honduras criou uma nova unidade policial
"de elite" chamada Troop and
Special Security Group, TIGRES. Essa
unidade – que para muitos grupos de defesa de direitos humanos é unidade
claramente militar – está alocada nos mesmos quarteis e recebe o mesmo
treinamento em táticas militares de combate que unidades de forças especiais
dos EUA e da Colômbia."
A criação e o treinamento desse tipo de combinação de polícias que são
simultaneamente militares, paramilitares e policiais superarmadas são claro
sinal da estratégia dos EUA para remilitarizar toda a região. Em vez de
proceder como antes a aberta e declarada ocupação militar, a
"contribuição" de Washington para a ação de governos locais aparece
sob a forma de "assistência" e "ajuda" a favor da crescente
militarização. É exatamente o que se vê também comprovado por recente
anúncio de um contingente de Marines norte-americanos
desembarcado em Honduras, ostensivamente para prestar socorro humanitário
durante a estação de furacões.
Esses deslocamentos de unidades militares são perfeitamente coerentes com
iniciativas recentes, pelos EUA, para penetrar militarmente nesses países,
usando pequenos contingentes de soldados e de militares das Forças Especiais.
Em 2013, noticiou-se que na Colômbia o
ex-comandante do Comando das Operações Especiais dos EUA William McRaven, "queria
para si a autoridade para deslocar equipes [das Forças do Comando de Operações
Especiais] para países, sem ter de consultar nem os embaixadores dos EUA nem,
sequer, o Comando do Sul, o US-SOUTHCOM (...). O comando de McRaven tentou
operar sem qualquer acordo com a Colômbia, para montar ali um centro de
coordenação de operações especiais regionais sem consultar o SOUTHCOM ou a
embaixada". De fato, sob o comando de McRaven os deslocamentos de soldados
das Forças Especiais saltaram para mais de 65 mil, muitos dos quais para toda a
América Latina.
Há muito tempo a Colômbia é peça central da estratégia militar dos EUA. O
programa regional dos EUA mais conhecido talvez seja o "Plano
Colômbia", lançado pelo governo Clinton e expandido no governo de George
W. Bush. Como a revista Foreign Affairs documentou em 2002, "O
governo Clinton mudou a ênfase, de um amplo programa de combate a drogas
ilegais (...) para uma completa política focada em prover assistência militar e
helicópteros."
Não há dúvidas de que o Plano Colômbia sempre teve a ver com militarização e
proteção a interesses econômicos dos EUA. De fato, se se somam as contribuições
militares, policiais e para as políticas econômicas, dos EUA para a Colômbia,
no período 2010-2015, os EUA deram quase US$3 bilhões à Colômbia sob a forma de
'ajuda' para fazer a chamada "Guerra às Drogas".
No governo Obama, os militares dos EUA expandiram os programas dos governos Clinton/Bush,
especialmente com a Mérida Initiative
(lançada em 2008 por Bush) e a Central
American Regional Security Initiative (CARSI) criada por Obama em 2011. Segundo
o Instituto
Igarapé, só as iniciativas CARSI e Mérida receberam mais de US$2.5 bilhões
(2008-2013). É segredo que todos conhecem que o financiamento massivo foi
canalizado, primeiramente, para programas militares e paramilitares. Embora os
EUA propagandeiem esses programas como histórias de sucesso, a expansão deles
coincidiu com crescente militarização em todos os países aos quais esses
programas norte-americanos distribuíram fundos.
Em El Salvador, o governo Funes consolidou o controle militar sobre
as atividades de polícia, no interesse dos 'sócios'
norte-americanos. Essas mudanças aconteceram simultaneamente com a implementação da
iniciativa CARSI, e devem ser vistas
como mais um ramo da militarização dos/pelos EUA. Na Guatemala, o governo de Otto
Pérez Molina, ex-líder militar com currículo de atrocidades e genocídio, deu
prosseguimento à militarização do país.
Honduras também foi convertida em primeiro 'entreposto' militar dos EUA na
América Central. A coordenadora da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP)
e do Partido da Refundação (LIBRE)
Lucy Pagoada explicou em entrevista de 2015, que "[Honduras] está
convertida numa grande base militar treinada e paga pelos EUA. Eles até já têm
forças da Escola das Américas instalada lá. (...) Desde o golpe [em 2009], tem
havido altos níveis de violência e tortura."
Claro que esses exemplos apenas arranham a superfície do envolvimento militar
dos EUA. Além da longa parceria com a Colômbia, os militares dos EUA estão
agora ainda mais entrincheirados no país, depois que estabeleceram uma
cooperação OTAN-Colômbia. Naturalmente, esses
anúncios foram recebidos com consternação por líderes independentes como Daniel
Ortega da Nicarágua que descreveu o acordo OTAN-Colômbia como "um punhal
nas costas do povo da América Latina."
A Agenda dos EUA
Em resumo, a militarização dos EUA na América Latina é tentativa para desafiar,
no campo militar, o crescimento da cooperação regional e da independência no
continente. O desenvolvimento da Aliança Bolivariana das Américas, ALBA, de Unasur,
de PetroCaribe e de outras instituições multilaterais não controladas pelos EUA
alarmou muitos em Washington, que vem seu antigo "quintal" escapar de
seu jugo. E assim os EUA passaram a tentar bloquear esse desenvolvimento usando
força militar.
O componente regional também é crítico para a agenda norte-americana de
militarização. Washington quer bloquear qualquer integração mais avançada,
controlando também a crescente influência da China e outros atores não
ocidentais, que estão penetrando na região mediante investimentos. Essencialmente,
os EUA estão fazendo nas Américas o que estão fazendo também na África, Oriente
Médio e regiões do Pacífico Asiático: usar a força militar para impedir
qualquer desenvolvimento independente.
Talvez seja parte inevitável do imperialismo. Talvez seja indicação de que a
influência do Império já começa a evanescer e de que o Império tenta
desesperadamente recapturar as esferas de influência que já perdeu. Pode-se
interpretar de diferentes modos os seus motivos, mas é inegável que os EUA estão
com certeza consolidando seu poderio militar na América Latina. Se esse
movimento garantirá que o Império reimponha o controle, ou se se confirmará
como tentativa gorada, que não restabelecerá a velha hegemonia, só o tempo dirá.
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* Eric Draitser é analista de geopolítica.
Trabalha New York. É editor do blog StopImperialism.org e entrevistador da CounterPunch Radio. Recebe e-mails em ericdraitser@gmail.com.
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